Fui assediada e a justiça acha que constrangi meu agressor

Policial
Guaíra, 13 de agosto de 2018 - 09h09

O assunto está “em alta”. O que mais vemos ultimamente nos jornais são as covardias praticadas por homens que não conhecem a palavra “não”.

Considerá-los doentes, descontrolados, embriagados, depressivos ou qualquer coisa do tipo é fechar os olhos para o que realmente são: reflexo de uma sociedade machista. Sim, eles são os caras bem arrumados também, de “família boa”, de classe baixa, média, alta; estão em todos os cargos, frequentam todos os lugares e podem ser aquele “cara legal” que senta do seu lado no bar. São os homens que não aceitam mulheres em cargos nos quais não interferem, que não aceitam mulheres que têm opinião, etc…

Infelizmente, são tudo isso, com um agravante triste: cresceram em uma sociedade que ainda acha que a mulher deve obedecê-los, não pode recusar suas investidas, não pode não querer mais um relacionamento, ou simplemente não pode concordar com seus pensamentos e atitudes. 

São os caras que cantam a gente na rua e acham isso bonito, aqueles que quando a mulher diz “não” na balada, aperta seu braço e chama de metida. Eles são o Luiz Felipe Monvailer, que jogou a esposa do 4º andar, são o Lindemberg que matou a adolescente Eloá porque não aceitou o fim do relacionamento, etc… 

Eles são os caras que matam cerca de 12 mulheres por dia no Brasil, que estupram mais de 135. Isso, considerando os casos relatados, porque as vítimas geralmente têm vergonha de registrar ocorrência ou, no caso de violência doméstica, esperam que o marido melhore, mude ou mesmo tem medo de denunciá-lo.

E sabem o que é mais triste disso tudo? A nossa justiça não colabora. Nosso código penal é defasado, nossas leis deprimentes, pois logo logo soltam esses bandidos novamente após seus crimes.

Por que estou falando tudo isso? Porque acho um absurdo ainda criarmos nossos filhos com essa ideia de que mulher é inferior ou que em “briga de marido e mulher, não se mete a colher”. Porque também me revolta a lentidão da justiça e algumas sentenças que vejo por aí.

Não preciso ir longe. Aconteceu comigo. Aliás, machismo é uma das coisas mais tristes que enfrento depois que assumi o jornal. Isso já me rendeu perseguições, ofensas e até processos, os quais venci por ser caluniada.

Porém, o pior e mais triste aconteceu nessa semana,quando recebi a notícia que o Ministério Público pediu o arquivamento de um Boletim de Ocorrência que fiz por assédio e o Juiz aceitou. 

Ele, um homem maior de idade, bem ciente dos seus atos e extremamente invasivo, constrangedor e com essa ideia de que toda mulher tem que dar moral a ele. Não respeitou minha profissão, meu ambiente de trabalho, não respeita família, não respeita outras mulheres. Obviamente que não iria me respeitar, mesmo sabendo que tenho o maior veículo de comunicação da cidade nas mãos.

Demorei 2 anos para fazer o B.O e, nesse tempo, nunca deixei de ser assediada. Nesse tempo, nenhum “não” meu foi o suficiente, até que, ao ver que não me manipulava, ele resolveu me desabonar no meio em que vivo.

Minha família sabia, meus amigos, as pessoas próximas a nós dois, todos sabiam. Algumas das testemunhas do meu B.O não me deixavam sozinha com ele pois sabiam das suas atitudes.

O que o MP entendeu disso tudo? Que por ele não ser meu chefe, por ninguém nunca ter presenciado, apesar de saberem e declararem que me ajudavam a não ficar sozinha com ele, que ele não fez nada de errado e que este B.O era EMBARAÇOSO para ele e que a justiça não pode ser usada por DESAVENÇA PESSOAL. Ou seja, assédio agora pode ser taxado de desavença porque a pessoa assediada não aceita e ainda vira vítima das calúnias do agressor.

Um detalhe chama atenção:

Quando reclamei dos assédios, das atitudes dele e de um texto que também falava mal de mim no grupo fechado de Whatsapp QUE JÁ SABIA DE TUDO, ele fez um B.O contra mim por calúnia. Usou inclusive a mensagem em que eu reclamei estar farta dos assédios e da complacência de todos no grupo, onde eu era a única mulher, 

O mesmo promotor NÃO ENTENDEU COMO DESAVENÇA e mandou seguir o processo. 

Ele NÃO ANEXOU qualquer prova, exceto a parte da minha queixa sobre o assunto, sobre suas atitudes e sobre os assédios.

Como vamos mudar o pensamento da nossa sociedade depois de um parecer como este? Não sei. Eu sei que muita gente próxima a mim e a ele sabia. Eu sei que tem gente que o protege e justifica esse tipo de atitude dele como “ele é assim mesmo”.

Mas eu sei também que todas essas pessoas que sabem e passam a mão na cabeça dele são também responsáveis por termos uma sociedade assim, que mata nossas mulheres. Muitos deles são pais de meninas, maridos e irmãos de mulheres e não desejo a eles o que meus pais sentiram quando souberam do que houve.

Minha indignação só não é maior que o meu constrangimento e a minha vergonha por morar em um país que permite isso legalmente. 

Fica aqui meu lamento, não como Inara, mas como mulher, filha, irmã, namorada, amiga… Como uma mulher que, como tantas outras, é vítima constantemente de constrangimento, mas se sente desamparada pela justiça.

Inara Lacativa, proprietária do Jornal O Guaíra



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