Mapeando o território de 2018

Opinião
Guaíra, 23 de maio de 2017 - 07h52

O Brasil é mesmo um país imprevisível. Quando os sinais apontavam para um resgate da economia, mesmo de modo lento, eis que o Senhor Imponderável das Neves faz questão de nos fazer mais uma visita. E quando essa figura baixa por nossos trópicos, as coisas desandam, a confusão se estabelece. De repente, a subida de uma íngreme montanha dá lugar a um gigantesco precipício. O país começa a viver a maior crise política da contemporaneidade, que abriga a delação dos irmãos Batista, donos da JBS, com base na gravação de uma conversa com o presidente da República, cujo teor ensejou decisão do juiz Edson Fachin, do STF, de apurar eventuais desvios de conduta que teriam sido cometidos por Sua Excelência na interlocução mantida com o gravador, o empresário Joesley.

Não se sabe qual será o desfecho do caso. O contencioso formado energiza a sociedade, acirra ânimos, intensifica a polarização entre alas, aumenta a distância que separa os entes partidários e, para culminar, mobiliza os três Poderes da República, que deverão se posicionar sobre matérias complexas, a partir do inquérito aberto para apurar ilícitos atribuídos ao dirigente da Nação. Apesar de se ouvir, a torto e a direito, que as instituições nacionais estão funcionando a pleno vapor, a denotar o vigor de nossa democracia, sabemos que o nível de tensões entre elas está no pico. Críticas se sucedem, com protagonistas se atacando reciprocamente, suspeições se multiplicam, abordagens divergentes entram no acervo discursivo e um oceano de incertezas se abre: renúncia do presidente? Impeachment? Cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE? Quem pode ser eleito para substituir o presidente em eventual vacância? Que regras devem ser mudadas para se propiciar eleição direta? Há respostas para todos os gostos.

O fato é que os acontecimentos dos últimos dias farão desaguar seus resultados sobre o pleito político de 2018. Ou seja, a guerra tem um fundo político. Tudo gira em torno do embate entre as forças políticas que começam a se arregimentar para a disputa do poder nos Estados, no Congresso Nacional e no comando do país. As oposições não se conformam de ter perdido o poder com o impeachment da presidente Dilma. A situação tem dificuldade de formar um pacto de união, tendo em vista a divisão de interesses das grandes siglas: abocanhar o maior naco de poder. Sob a multifacetada moldura partidária veremos, seguramente, uma das mais contundentes batalhas eleitorais de nossa história, razão pela qual vale a pena colocar a lupa sobre o território social em que ela se dará. Esse é o exercício que tentaremos fazer.

O embate se desenvolverá sob o signo de mudanças. Esta é a bandeira que acolhe a organicidade social. Os polos de poder eleitoral em formação (mais adiante) terão como eixo comum o desejo de seus integrantes de participar mais intensamente no processo decisório. Significa fortalecimento dos eixos de nossa democracia participativa. Fica cada vez mais patente a movimentação centrípeta – das margens para o centro – , a denotar intenso interesse de classes sociais e categorias profissionais em atuar de forma ativa no processo político. É razoável supor que a democracia participativa estará atingindo seu ápice em 2018. A crise dispara mecanismos de animação política e mobilização de setores que até então se mantinham inertes. Esse é um dos frutos saudáveis da crise.

CONTRA O STATUS QUO – É visível a determinação dos maiores grupamentos da sociedade de mudar o status quo na esfera da política. Nessa tendência, integram-se as classes médias de grandes e médias cidades, que formam o maior polo mudancista do país, agregando profissionais liberais, professores, funcionários públicos, os universos dos setores produtivos – indústria, comércio e serviços, proprietários rurais – e contingentes de jovens. A força desse contingente está na condição de tuba de ressonância, por meio da qual poderá dar capilaridade à sua visão, fazendo chegar até as margens seu ideário.

Parcela do eleitorado – uma minoria – se posiciona no patamar mais tradicional, assumindo postura conservadora. Tende a permanecer no entorno de perfis que encarnem o endurecimento de regras e costumes (defesa da família, contra o aborto, combate duro aos criminosos, contra união de pessoas do mesmo gênero, etc). Jair Bolsonaro é, por enquanto, ícone elevado ao altar conservadorismo.

Em outra ponta do arco ideológico, um núcleo de esquerda vai se abrigar. Trata-se de grupos de posições radicais, que se encostam no extremo do arco ideológico, distanciando-se até de bandeiras históricas defendidas pela esquerda. A crise que solapa a imagem do petismo motiva a caminhada desse grupo para a extremidade. Seu discurso procurará absorver e se aproveitar da indignação social para expandir um posicionamento agressivo contra o liberalismo e seus vetores na economia, na política e nos costumes.

Distanciando-se dos extremos, uma larga fatia social fixará seu habitat no meio da pirâmide sob uma muralha mudancista, mas ancorada por vigas da marca social-liberal. As forças do mercado darão o tom de sua orquestração. E a pregação absorverá o discurso de flexibilização nas relações do trabalho, menor porte e menor custo do Estado, defesa da meritocracia e enxugamento dos cargos indicados por políticos. Reformas na política e a no campo dos tributos serão apregoadas.

O discurso político de 2018 será impregnado por demandas regionais.  Tal tendência se alimenta dos embates em torno da questão econômico-tributária que aflige Estados e municípios. A consequência aponta para a distritalização do voto, que ganhará força. A micro-democracia das comunidades organizadas e o poder regional serão os condimentos da panela da pressão política. Ou seja, veremos a luta das regiões por recursos, movimentos comunitários reivindicatórios, situação que poderá provocar enfraquecimento de forças políticas tradicionais. Esse quadro enseja boa discussão sobre o parlamentarismo.

O velho discurso estará saturado. A disposição dos brasileiros se inclina para Zaratustra, o profeta de Nietzsche, com sua verve: “novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga: cansei-me das velhas línguas. Não quer mais, o meu espírito, caminhar com solas gastas”.


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Gaudêncio Torquato

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação

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