Não julgai…

Opinião
Guaíra, 2 de maio de 2018 - 11h02

Por Roberto Barbos Silva de Oliveira

Marcia era uma linda mulher, tinha uma casa linda, com lindos moveis, um bom emprego, um bom marido e era muito feliz. Mas, um dia perdeu, o emprego, disseram que era contenção de despesas e ela não conseguiu outro, ficou triste e, pela grande quantidade de afazeres domésticos, começou a se maquiar cada vez menos e foi ficando menos atrativa. Perdeu o marido, disseram que foi falta de compreensão e ela não encontrou outra pessoa. Foi ficando triste e não queria mais sair de casa, contudo, perdeu a casa e não tinha pra onde voltar e foi ficando, ficando, ficando até que não se importou mais… E foi perdendo tudo, até não lhe sobrar nada, nem a dignidade. Hoje ela tem medo de sair na rua e encontrar alguém como eu, ou como você…

Atrevo-me a falar daquilo que não falam, dando voz aos que sentem e se calam, que emudece os gritos dos que sofrem em um estado de sentimento vegetativo, que dói, que dilacera a alma… Em nome daqueles que recebem homenagens póstumas de seus  entes e amigos queridos, mas que ao mesmo tempo não souberam ler as entrelinhas quando os olhos gritavam em silêncio e que só foi percebido e resumido em um  bonito texto numa publicação qualquer  em  uma página social. Venho falar da  doença do século e sugerir que temos que nos informar a respeito, estender as mãos e debater sobre a importância de estarmos presentes, apoiar e orientar sobre a necessidade e da urgência de procurar ajuda. Atrevo-me a falar sobre DEPRESSÂO.

Então, de uma forma simples (se é que isso é possível), sem demagogia, baseado em experiências, por ter vivido e convivido com isso, sem muito conhecimento técnico (penso que estender a mão, não depende de estudo) e com uma vontade de fazer o bem e de alguma maneira dar voz a essas pessoas, dar sentido à palavra, em uma linguagem popular e possivelmente trazer conforto ou que os oriente a buscar ajuda.

Venho falar da dor de um pai, de uma mãe que perde um filho para o crime, as drogas, para o álcool, da frustração de quem tentou e fracassou em ser bem sucedido na vida, do abandono de quem se viu sozinho por ter tomado algumas decisões erradas na vida, da tristeza daqueles que vivem nas praças, nas ruas, viciados em álcool, em drogas e que não conseguem sair do vício sozinhos, e que taxamos como pessoas que não abandonam essa vida “porque não querem”… Em nome daqueles que sofrem e se definham dia após dia longe dos olhos de nossa politicamente correta “sociedade”…

Deus sabe o quanto somos injustos ou preconceituosos por pensarmos assim e a grande maioria pensa. Eu pensava assim, sempre me perguntava o porquê das pessoas estarem assim, entregues ao vício sem se preocuparem em conseguir um serviço pra ter ou dar uma qualidade de vida melhor pra si e à própria família. Um dia fui almoçar com alguns amigos e estava passando na TV uma reportagem que falava sobre pessoas excluídas e vi um senhor muito distinto que estava em uma mesa ao lado encher os olhos de lágrimas e comentou com  um amigo em comum o quanto era triste ter alguém assim na família. Aquela cena, ali na minha frente, me fez refletir e também me emocionar, pois convivo com pessoas assim e todos nós temos noção desse sentimento de tristeza, pois todos conhecemos ou já convivemos com alguém assim e, se pararmos para ouvi-los, certamente mudaremos radicalmente nossa maneira de pensar. A maioria não é de bandidos e, embora haja alguns casos – mas a grande maioria não é – não acho justo a generalização. É muito triste ver ou conviver com essas pessoas, nossos semelhantes, vivendo como se fossem zumbis… é muito fácil, sentados em nossos sofás, assistindo nossas TVs, e dormindo em nossos (às vezes simples, mas aconchegantes) lares, formar uma opinião contrária ao que digo e independente do que pensam os que nunca viram de perto o que falo, não podemos colocar essas pessoas debaixo do tapete, não é justo não nos importarmos e também não é humano de nossa parte.

Deixo claro aqui que não estou defendendo bandido, nem que temos que passar a mão na cabeça, mas o número de pessoas assim vem crescendo a cada dia em nossa cidade e isso, além de triste, é preocupante e a ajuda não é responsabilidade exclusiva do poder público. Vejo-os em praças, rodoviária, em semáforos (…) mendigando por moedas e talvez por um pouco de afeto: Pais, mães, filhos, amigos, nossos semelhantes que, por “N” motivos não conseguiram se ressocializar e que a última coisa que precisam agora é de nosso preconceito.

Escrevi há algum tempo sobre a individualidade da dor, o que penso e vou explicar, e também vou tomar a liberdade de narrar um fato e uma orientação que mudou o que penso e se pudessem ler,  talvez,  também possam refletir a respeito e, quem sabe assim, ler os sinais e os gritos de socorro que nunca foram dados e das palavras que nunca são ditas, por se tratar de um tabu e de um erro cultural gravíssimo cometido por todos nós que vivemos nessa sociedade onde fomos aos poucos invertendo valores e aceitando o que nos impunha, sendo cúmplices de outros iguais e tão nocivos como nós e que pensam o que dizem pra pensar. Não vou ironizar, não hoje, por se tratar de um assunto muito sério. O fato em questão que me propus a falar, que não presenciei, mas que me comoveu ao ouvir falar e que hoje divido com vocês, ocorreu em um famoso hospital na nossa região, que recebe pacientes de todo Brasil, onde uma mãe, ao perder um filho ainda bebê, ao ser abraçada por outra pessoa, ouviu que sabiam o que ela estava sentindo e a mesma disse que não, que só ela sabia o que estava sentindo, e ela tinha razão, impossível calcular o tamanho da dor de outra pessoa, e compreendi que em relação a dor alheia, temos que ajudar ou no mínimo respeitar.

Temos que falar sobre nossos sentimentos, temos que aceitar que a depressão existe e está aí, temos que quebrar esse tabu de acharmos que não seremos aceitos por estarmos doentes ou passando por algum tipo de problema, temos que pedir ajuda e temos também que salvar as pessoas que não falam nada por estarem depressivas mas que deram sinal e não fomos capazes de perceber a tempo. Depressão não tem nome, idade, cor, gênero, posição social muito menos endereço e é preciso falar e, muito mais importante, é saber ouvir.

Abraço.


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Roberto Barbos Silva de Oliveira

Construtor/técnico em desenho de construção civil; roberto.febasi@gmail.com

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