Pesquisa Eleitoral: Você acredita?

Opinião
Guaíra, 4 de dezembro de 2018 - 10h41

Queixas e descrenças quanto aos resultados das pesquisas se destacam nas conversas em bares aos grupos de WhatsApp, usualmente quando o resultado não favorece a escolha eleitoral do reclamante. Não parece razoável criticar um método científico bem estabelecido, mas ao mesmo tempo a pulga não sai de trás da orelha. Alguns esclarecimentos podem ajuda-lo a avaliar os resultados – e discutir com mais bases com seus amigos.

 

1 – Não conheço ninguém que foi pesquisado.

Faça o seguinte experimento. Jogue uma moeda para o alto cem vezes e anote o resultado. Possivelmente, chegará a um resultado perto de 50% cara e 50% coroa. Podemos facilmente acreditar que se jogar um número muito grande de vezes, que os matemáticos chamam de próximo ao infinito (como o número de eleitores no Brasil), chegaremos a um resultado de 50% para cada face.

Assim, a análise de uma amostra pode sim representar o todo.

Pode-se argumentar que por sorte (ou azar!), a moeda pode cair todas as vezes coroa. É verdade. Este é o erro alfa, ou a chance do resultado não ser verdadeiro por ordem do acaso. É impossível ser zero a chance de um resultado de uma amostra não representar o todo. Entretanto, podemos deixar este risco bem pequeno. Basta aumentar o número de amostras analisadas. Voltemos ao exemplo da moeda. O risco de só sair coroa é de 1 em 2 elevado ao número de vezes que a jogarmos ao alto. Repare que quanto mais vezes jogarmos, menor este risco. Se jogarmos cem vezes, o risco seria de 1 em 2 elevado a 100, ou um número de 38 dígitos. No caso das eleições, o risco alfa fica em 5%. Ou seja, em 5% dos casos, aquele resultado não corresponde a realidade.  Para isto, basta ter uma amostra de uns 2 a 10 mil eleitores brasileiros. Pouca chance de você conhece-los.

Um outro erro é o beta. É o de precisão. No caso da moeda, pode ser que ao lançar cem vezes, o resultado seja de 52 / 48% ou menos que isto. Ou seja, um pouco acima ou abaixo do valor verdadeiro. De novo, se aumentarmos o número de amostras, diminuímos este valor. Nas pesquisas eleitorais, geralmente deixam o erro beta ficar em torno de 2% a mais ou a menos. Este é um fato importante. Várias vezes vemos análise de que algum candidato subiu porque passo de 12 para 14%. Este aumento não é significativo para ser considerado real, pois está dentro da margem de erro.

 

2 – Mas a maioria dos meus conhecidos votarão no meu candidato.

Isto pode ser verdade, mas sua pesquisa não é válida. Você está escolhendo as pessoas por conveniência, termo estatístico que significa que a forma que você definiu sua amostragem não é a ideal para representar o todo. Provavelmente, seus conhecidos diferem grandemente de pessoas que moram no interior de Pernambuco, na zona sul do Rio de Janeiro ou no litoral do Rio Grande do Sul. A amostra deve ser escolhida de forma aleatória, e de forma a incluir todos os grupos populacionais. As pesquisas eleitorais sorteiam os eleitores a partir de uma lista telefônica de números fixos e móveis, de diferentes regiões do país ou do estado.

 

3 – Então, podemos confiar nos resultados?

Bem, primeiro temos que lembrar do erro alfa (por acaso), mas a maior pegadinha consiste na INTERPRETAÇAO destes resultados.

O primeiro problema é na forma como é feito a pergunta. Todos imaginam que a pergunta feita é “Em quem você pretende votar?”. O problema é que quase um terço da nossa população não sabe o nome dos candidatos. Então, é inserido o primeiro víeis, ou seja, um método que pode fazer com que o resultado não reflita a realidade. É mostrado uma lista para o eleitor, para ele escolher. A pergunta real é: “Dentre estes candidatos, quem você votaria?”. Eventualmente, o eleitor pode fazer perguntas ao entrevistador (“quem é o candidato que fulano de tal está apoiando?”). Nem a lista, nem um “esclarecedor”, estarão presentes nas urnas.

Um segundo problema, é que a pesquisa visa avaliar a “intenção de voto” naquele exato momento, e não “prever” o voto que será realmente realizado. As pessoas podem mudar de opinião (inclusive no momento em que estiver na frente das urnas), podem mentir em quem irá votar, podem querer não responder, ou responder o que acha que o entrevistador quer ouvir. Especificamente nesta eleição, vários eleitores sentem vergonha ou não querem expressar seu voto para outros. A pesquisa é incapaz de detectar este víeis.

O terceiro problema é a fraude. O maior dos problemas em pesquisa, pois é muito difícil detectar. Uma pessoa pode inventar as respostas dos candidatos. Empresas sérias (como as que fazem a pesquisa eleitoral no Brasil) inibem veementemente esta prática, mas não podem garantir com 100% de certeza que seus empregados ajam de forma criminosa.

Enfim, as pesquisas são verdadeiras, mas cuidado com as suas interpretações. Minha humilde opinião é que sempre deve-se votar baseado no histórico e nas propostas do candidato – e não nas pesquisas. Ser Maria-vai-com-as-outras, sabendo que praticamente um terço da nossa população não conhece os nomes dos candidatos, que dirá de seu histórico e propostas, não me parece ser um bom método de escolher seu candidato.


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Paulo Lacativa

Médico formado na UERJ, especializado em endocrinologia, com mestrado e doutorado na área de metabolismo ósseo, na UFRJ. Durante uma década foi professor de clínica médica da UERJ e diretor médico de um centro dedicado à pesquisa. Desenvolveu capacitação em pesquisa clínica e acadêmica, qualidade, medical writing, steering coomitte e comitê de monitoramento de dados. Criou uma empresa para prestação destes serviços para empresas privadas. Atualmente exerce a atividade de pesquisa tanto pré-clínica como clínica na Biozeus, biotech de desenvolvimento de fármacos para a saúde humana

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