De acordo com matéria publicada no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Assédio Sexual não é “cantada” e tem punição. Não é paquera nem elogio. É uma manifestação grosseira, independente da vontade da pessoa a quem é dirigida e que pode ser configurado como crime, dependendo do comportamento do assediador.
São assovios, comentários de viés sexual, olhares e até mesmo contato indesejado. Essas são situações cotidianas pelas quais as mulheres passam ao caminhar na rua, andar em transporte público e mesmo em ambientes de trabalho. Essas cantadas e investidas indesejadas também são uma forma de assédio sexual praticada pelos homens contra mulheres em espaços públicos e privados.
Um levantamento da ONG Projeto Think Olga com 7.762 mulheres constatou que 99,6% das entrevistadas já foram assediadas. Cerca de 98% delas relatou que a cantada ocorreu na rua e 64%, no transporte público. Para 83%, a situação é desagradável.
Por vezes, esse comportamento é minimizado e confundido com elogio. Contudo, a pesquisadora Tânia Fontenele, do Instituto de Pesquisa Aplicada da Mulher (Ipam), explica que essa noção é falaciosa. “Não podemos achar que isso é natural ou que esse tipo de comportamento seja elogioso, pois é absolutamente vazio. O que acontece é uma perpetuação de preconceitos machistas, o indivíduo se sente no direito de fazer o que quiser.”
Além disso, essa postura pode trazer consequências na saúde física e emocional das mulheres, como ansiedade, depressão, perda ou ganho de peso, dores de cabeça, estresse e distúrbios do sono. Mas também há efeitos práticos. Segundo a pesquisa do Think Olga, 81% das mulheres mudam a rotina por medo do assédio.”Lamentavelmente cerceia a liberdade das delas, mas não devemos, não podemos, compactuar com essas coisas”, acrescentou Tânia, visto que a mulher acaba mudando o caminho, a roupa e até mesmo a rotina para não ficar sozinha com os assediadores.
Na contramão da luta das mulheres por igualdade e respeito, o Ministério Público de Guaíra faz um parecer solicitando arquivamento de um boletim de ocorrência feito por assédio pela proprietária do Jornal O Guaíra, Inara Lacativa Bagatini. A solicitação foi atendida pelo Juiz da Comarca.
Na declaração, o promotor atuante em nosso município, entendeu que, a acusação não merece prosperar, pois não se enquadra no Artigo 216-A do Código Penal que elenca o crime de Assédio Sexual: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Assim, baseando-se nesse artigo, concluiu o Promotor: “Analisando-se os elementos de informação apurados, conclui-se que não havia entre o investigado e a vítima relação de hierarquia, tampouco que o investigado prevalecia de uma condição superior hierárquico para constrangê-la ou chantageá-la, realizando convites para que saísse com ele, sob pena de prejudicá-la no trabalho”. Acrescenta ainda que as testemunhas nunca presenciaram os assédios, mesmo com os depoimentos anexados em que as mesmas disseram saber que isso acontecia há muito tempo e a vítima sempre se queixava.
O CASO
De acordo com Inara, os assédios começaram por volta de 2015, quando o acusado frequentava seu ambiente de trabalho por questões políticas. Desde então, ela sempre solicitava aos seus colaboradores que não a deixassem sozinha por muito tempo com o acusado, pois apesar de precisar atendê-lo, ficava constrangida com seus assédios. Segundo ela, foram mais de dois anos passando por situações constrangedoras diante do acusado, até o dia em que o mesmo se excedeu e partiu para o contato físico, que culminou em um Boletim de Ocorrência meses depois, pois o acusado insistiu em desaboná-la no meio em que convivem ao perceber que não teria sucesso em suas investidas.
O referido B.O foi feito com o depoimento de trêstestemunhas que sabiam dos assédios. Uma delas, também colaboradora desta folha, relata que sabia dos assédios desde que entrou na empresa em 2015 e que sempre ajudava a vítima a não ficar muito tempo com o acusado. Outra testemunha relata ainda que, no dia em que o acusado se excedeu com a vítima, esteve com ela e aaconselhou a não fazer o Boletim de Ocorrência, pois iria se expor ainda mais.
“Muitas pessoas sabiam deste assédio. Eu passei a me precaver e não ficar sozinha com ele. Sempre chamava alguém para ficar junto e demorei muito para fazer o Boletim de Ocorrência, pela exposição e principalmente para evitar ainda mais problemas. Porém, errei”, relata.
De acordo com Inara, o B.O foi feito meses depois quando percebeu que as atitudes do acusado estavam excedendo os limites e envolvendo outras pessoas: “Ele começou a falar mal de mim para as pessoas que tínhamos um contato em comum. As procurava e tentava de todas as formas me desabonar e eu fui aguentando tudo isso. Mesmo com a situação extremamente incômoda, não queria expor ainda mais, porém ficou insustentável. A gota d’água foi quando ele fez um B.O contra mim por uma coisa que não fiz, na tentativa de me prejudicar quando reclamei que estava farta da sua perseguição e dos seus assédios em um grupo em comum, onde todos sabiam desses ocorridos”.
O parecer do Ministério Público é de praxe nesses tipos de caso, onde o Boletim de Ocorrência vira Queixa Crime. O Processo Criminal não teve seguimento pois o juiz nomeado acatou a solicitação de arquivamento, mas Inara garante que não vai desistir. “É uma luta de todas as mulheres. É revoltante em pleno século XXI as mulheres passarem por isso e o agressor sair impune. Não é porque ninguém nunca presenciou que não aconteceu, não é porque não há hierarquia que não é crime. Qual o limite que a lei quer dar? Estupro? Morte? Agressão? Tem que chegar nesse ponto para ser crime? Não podemos aceitar”.
Legislação
Essas investidas indesejadas são tipificadas como crime pela Constituição. Em geral, enquadram-se como importunação ofensiva ao pudor. Esses casos se referem ao assédio verbal, ou seja, cantadas e ameaças, e os autores são multados em casos de condenação.
Caracteriza-se como assédio verbal (artigo 61, da Lei das Contravenções Penais n. 3.688/1941), quando alguém diz coisas desagradáveis ou invasivas (como podem ser consideradas as famosas “cantadas”) ou faz ameaças. Apesar de ser considerado um crime-anão, ou seja, com potencial ofensivo baixo, também é considerado forma de agressão e deve ser coibido e denunciado.
Infelizmente a lei brasileira, o crime, quando chamado deassédio só se aplica quando existe uma relação hierárquica, como nas escolas e no trabalho, e quando o constrangimento é reiterado. Portanto, ele não abarca o assédio horizontal, quando os dois estão no mesmo nível, no mesmo cargo profissional, e quando o assédio é eventual. Em outros países, isso é contemplado.
“Realmente é muito triste ver a justiça pedir arquivamento ao invés de usar a lei para evitar que esse tipo de coisa continue acontecendo. Precisamos contar com os nossos juízes, promotores, e representantes da lei para defender as mulheres e não colocar os agressores em posição de contrangidos”, diz Inara.
O governo federal disponibiliza o número 180 (Central de Atendimento à Mulher) para mulheres denunciarem os casos de assédio. Mas em locais públicos ou privados, as vítimas dessas situações podem e devem buscar ajuda de um policial ou segurança do local. Em situações mais complexas, como quando ocorre durante uma consulta, por exemplo, onde não há testemunhas, a vítima deve fazer a denúncia em uma delegacia e abrir um boletim de ocorrência para dar seguimento a essa denúncia.
A vítima ainda disse que espera que as mulheres não percam a coragem, não se sintam desamparadas e sempre denunciem. Acrescenta ainda que anseia pela participação de mais figuras femininas em cargos importantes, tanto políticos como públicos. “Precisamos de mais força e representatividade. Não é feminismo. As mulheres precisam participar mais para que a gente consiga mudar este e outros tipos de comportamentos machistas.”
Ao finalizar, Inara explica ainda que sente muito em ter que expor esta situação desta forma, quase um ano depois de fazer o Boletim de Ocorrência, mas achou necessário e importante. “Eu, com a posição que ocupo no meio de comunicação de Guaíra, tenho o dever de alertar para este tipo de absurdo. Li na postagem que fiz na rede social várias moças dizendo que suas queixas e boletins de ocorrência não prosperaram e isso é revoltante. Não quero expor nomes, mas sim a situação. Nossos defensores legais precisam olhar com mais cuidado para o que as mulheres passam. Se eu tive receio de denunciar, imagina uma pessoa com menos informação? Vejo muita gente descrente da justiça e não tiro a razão, pois é lamentável passar por situações assim e ainda ler a insinuação que é uma desavença pessoal”, encerra.