Cinema: O filme  Alice  e o Prefeito

Cidade
Guaíra, 13 de abril de 2022 - 13h14

Alice é uma jovem pesquisadora em filosofia e pedagogia, contratada pela Prefeitura de Lyon para um cargo administrativo. Chegando ao local, descobre que terá outra função: ela será responsável por trazer novas ideias ao prefeito sobre como gerenciar a cidade a partir dos conceitos de grandes filósofos. Enquanto se habitua ao caótico dia a dia do edifício administrativo, Alice se questiona sobre a possibilidade de colocar esses pensamentos em prática.

 

A narrativa se desenvolve a partir de uma das questões mais importantes à democracia moderna: com quais ferramentas se pode eliminar o abismo entre teoria e prática, impedindo que brilhantes intelectuais conversem apenas entre si, enquanto a vida dos miseráveis permanece inalterada? As convicções revolucionárias são viáveis na sociedade contemporânea, no interior da política institucional?

 

O roteiro decide literalmente juntar estas esferas, colocando lado a lado um político e uma filósofa. Contrariando secretários, publicitários e assistentes de comunicação, Paul contrata Alice (Anaïs Demoustier), uma pesquisadora acadêmica, para ajudá-lo a “ter ideias”. “Não consigo mais pensar”, ele argumenta, embrutecido pela sucessão interminável de reuniões, memorandos e eventos. Através deste encontro, o cineasta contrasta realidades distintas na esquerda: a geração dos 60 anos contra aquela dos 30; um homem contra uma mulher; um indivíduo de ação contra uma de reflexão; a perspectiva da plausibilidade (o prefeito deveria agir para diminuir desigualdades, dentro da alçada do cargo) e outra de audácia (o prefeito deveria partir para o enfrentamento de instituições reacionárias – através da tal “força tranquila” de Mitterrand). A certa altura da trama, o prefeito pede a Alice para “inventar a grande narrativa democrática dos nossos tempos”. O pedido soa hercúleo, porém encontramo-nos precisamente no campo das ideias – sendo “ideia” uma das palavras mais repetidas pelos diálogos. A presença de uma professora de filosofia no interior da prefeitura soa absurda, quase fabular, mas Pariser assume este senso de inadequação. O espectador é levado a estranhar a simples presença do debate no campo das ações, o que comprova nossos preconceitos quanto aos objetivos e limites de um governo democrático.

 

Felizmente, a romantização da intelectualidade está distante do projeto. A funcionária não revolucionará a maneira de fazer política, tampouco abrirá a cabeça do prefeito a uma nova percepção do mundo. O iluminismo utópico de uma Sociedade dos Poetas Mortos (1989) passa longe deste debate centrado num cotidiano naturalista, em choque com o pensamento empresarial. Os personagens navegam por caminhos complexos: Paul parece aberto a opiniões contrárias, porém ostenta privilégios e orgulho em relação ao cargo que ocupa; já Alice transita entre a felicidade de ver suas propostas aceitas e a sensação de impotência face à resistência alheia. 

 

O texto efetua menções curtas, porém certeiras à vida pessoal de ambos, afetada pelo trabalho na prefeitura. Enquanto isso, a inteligente narrativa encarrega os personagens coadjuvantes de testarem as convicções dos protagonistas: Isabelle (Léonie Simaga) representa o aspecto prático e eficaz, mas também engessado do gabinete; Daniel (Antoine Reinartz) ilustra as formas tradicionais de comunicação institucional, sentindo-se ameaçado pela presença da intelectual; Delphine (Maud Wyler) constitui a visão da arte sobre a capacidade de mudar o mundo, e Xavier (Pascal Rénéric) serve de porta-voz a uma esquerda que nutre profundo desprezo por políticos “profissionais”, considerando-os corrompidos. Diversas vertentes sociais são introduzidas de modo orgânico à trama.

 

O filme propõe uma visão inesperadamente melancólica da política contemporânea. O cotidiano no suntuoso prédio em Lyon foge à impressão de algo excitante, importante ou sombrio, a exemplo de tantas representações do dia a dia de líderes eleitos. Escândalos são citados discretamente, sem atingirem as atividades de Alice. A presença desta jovem se converte num parêntese na vida de Paul, uma forma de respiro: ela simboliza a crença na capacidade de algo novo. A filósofa relembra a necessidade da velha política em questionar a si própria, razão pela qual sofrerá tamanha resistência no interior de uma máquina já ajustada. Quem é essa menina, ignorante quanto aos meandros do gabinete, tentando transformar a forma de governar? Pariser oferece um final agridoce aos personagens, mistura de crença no futuro e aceitação de nossas limitações. Ele estabelece uma singela crônica da república, da “coisa pública” no sentido original, atingindo um teor tão reflexivo quanto afetuoso em relação a estes personagens.

 

Fonte: Papo de Cinema

 

Onde assistir 

Telecine e Globo play


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