Quatro patas bom, duas patas ruim: uma reflexão sobre a revolução dos bichos
O conhecido livro A Revolução dos Bichos (1945), de George Orwell, é uma obra literária importante, cuja finalidade é criticar os regimes totalitários, sejam eles comunistas, fascistas ou capitalistas, em que ficam evidentes ações do governo para promover sua ideologia por meio de um sistema de doutrinação da sociedade.
Nessa obra, especialmente, o autor inspirou-se nos acontecimentos que se desenrolaram na antiga União Soviética, desde a Revolução de 1917 até 1944, tecendo sua crítica por meio da fábula – gênero literário em que os personagens são animais que pensam, se relacionam e se comportam como seres humanos. Vale observar que muitos escritores apostam nas fábulas porque elas revelam verdades que estão camufladas, permitindo-nos compreender os deslizes humanos na teia social, política e religiosa. Ademais, ao escrever histórias de vida travestidas no contexto animal, cria-se a neutralidade necessária para uma denúncia “disfarçada” para enxergarmos os absurdos dos nossos comportamentos.
Os fatos narrados na Revolução dos Bichos reportam o leitor aos fatos e figuras da Revolução Russa: Karl Marx, representado pelo porco Major, abomina o totalitarismo de Stalin, o qual é representado pelo porco Napoleão. Trótski, na figura do porco Bola de Neve, defendia o Marxismo e se opunha ao Stanilismo, compadecendo-se das atrocidades cometidas contra os menos favorecidos, como ao fiel trabalhador Sansão, um porco que trabalhou arduamente até à morte.
Na obra, a narrativa tem início quando um velho porco, Major, convoca os animais que moram na Granja do Solar e lhes incumbe de fazer uma revolução para pôr fim à exploração e à opressão que sofriam por parte dos humanos. Major tinha uma visão igualitária das coisas e pregava que os animais são todos iguais e capazes de conviver de forma harmoniosa, desde que cada um cumpra suas obrigações e ajude os demais.
Após um tempo, Major morre e os seus sucessores, os porcos Napoleão e Bola de Neve assumem a liderança da revolução e expulsam o Sr. Jones, proprietário da Granja. A partir daí, implantam o Animalismo, regime baseado em mandamentos, como: qualquer coisa que ande sobre duas pernas, é inimigo; qualquer coisa que ande sobre quatro pernas ou tenha asas é amigo; nenhum animal usará roupas; nenhum animal dormirá em cama; nenhum animal beberá álcool e nenhum animal matará outro animal.
Durante um tempo, a ordem reinou na Granja, pois os bichos já não eram mais explorados pelos humanos, não passavam fome e viviam em harmonia. Porém, considerando-se superiores aos outros bichos e inflamados pela vaidade, os porcos almejavam mais poder e, assim, começam a burlar os mandamentos em benefício próprio, justificando que não fosse o trabalho intelectual e de liderança que executavam, todos estariam condenados à miséria original.
Para melhor manipular os outros bichos, os porcos aprendem a refinar seu discurso, argumentando que tudo o que fazem é em prol do bem comum; desse modo, vão aos poucos degringolando o lema inicial da Revolução, de que todos eram iguais, e passam a assumir a mesma postura autoritária e exploratória a que eram, antes, submetidos. Logo, os porcos – líderes se mudam para a casa do Sr. Jones e começam a falar e a agir como ele agia. Os outros bichos, por sua vez, permanecem alienados como se não percebessem as mudanças que estavam acontecendo e como se elas não afetassem suas vidas, drasticamente e para sempre.
As linhas gerais aqui apresentadas revelam que A Revolução dos Bichos faz duras críticas ao totalitarismo e aos movimentos socialistas de Hitler e Stalin, os quais fingiam pregar uma igualdade que, aos poucos, se revelou a mais cruel das ditaduras, favorecendo poucos em prejuízo de muitos.
Ao combinar fábula e sátira política, a obra causa a indignação do leitor que passa a se incomodar com o comportamento dos porcos. Nessa dinâmica, leitor e obra dialogam à medida que a reflexão se revela como o reconhecimento das nossas próprias atitudes.
O porco Major inicia a ideia de revolução, mas logo morre, dando lugar a outros bichos cujos ideais não eram tão igualitários assim e, por isso, não levam seu legado a sério, buscando o poder para além de qualquer sentimento de organização e justiça social. A ambição leva os bichos a esquecerem dos princípios e dos motivos da revolução: igualdade para todos. Desse modo, os bichos que ocuparam o lugar dos humanos, passam a explorar os outros tanto quanto eram explorados.
Assim, com uma ironia refinada e uma lição marcante, o autor Orwell demonstra a fraqueza humana diante do poder, usando porcos como metáfora. Se traçarmos uma analogia com o cenário brasileiro, criticar a exploração dos pobres pelo empregador seria o mesmo que defender o retorno da ditadura e o fim dos direitos da camada popular. Em igual sentido, criticar o governo autoritário, mesmo que pontualmente, seria o mesmo que clamar pela igualdade de direitos, que fora perdida. Ou seja, os governos mudam; as técnicas de retórica e manipulação, não.
No livro, os animais tinham capacidade intelectual inferior a dos porcos, cujo fator foi crucial para sua submissão. Aprendemos, então, a importância de não sermos irracionais e de desconfiar, sempre, de ações políticas manipuladoras. Nesse sentido, ler A Revolução dos Bichos nos torna mais aptos a discernir governos totalitários, deixa-nos desconfiados de políticos e de muitos discursos persuasivos e maquiavélicos.
Na obra, a necessidade de sermos mais conscientes fica clara, a fim de que percebamos e combatamos a opressão, principalmente, contra os mais desfavorecidos, ou seja, a exploração cotidiana e o abuso de poder dos poderosos contra os subalternos. O protesto pacífico é o caminho que nos liberta da opressão e faz surgir a esperança numa sociedade menos corrupta e mais justa. Do contrário, seremos reféns de porcos!
Simone Cristina Succi