Ah, o Brasil! Essa terra abençoada por Deus e, segundo a lenda, um tanto esquecida pelo calendário, já que só começa de verdade depois do Carnaval. E não é que essa teoria faz sentido? Mas será que deveríamos nos orgulhar disso?
O Carnaval, esse espetáculo de cores, ritmos e fantasias, é muito mais que uma festa: é quase uma instituição nacional. Para muitos, é o grande clímax do ano anterior, a razão para suportar meses de rotina à espera da explosão de alegria. Durante a folia, o Brasil entra em modo de economia de energia para tudo — menos para o samba. Sejam os passos ensaiados das escolas ou a coreografia improvisada dos blocos, o país inteiro parece pulsar ao ritmo da batucada.
Enquanto isso, a velha máxima de que “o ano só começa depois do Carnaval” ganha contornos de telenovela, com o Brasil no papel do herói enfrentando vilões como a procrastinação e a agenda vazia de reuniões. Até os chefes, geralmente ávidos por e-mails e relatórios, dão uma trégua, talvez ocupados demais sambando disfarçados na multidão. Mas há uma pergunta incômoda: por que nos permitimos perder tanto tempo? Por que aceitamos essa inércia como parte da cultura, como se fosse inevitável?
Entre serpentinas e confetes, há um motor econômico girando. O Carnaval impulsiona o turismo, a gastronomia e a moda, e isso é inegável. Mas e depois? Quando os blocos silenciam e o brilho do glitter começa a desvanecer, vem o despertar: é hora de arregaçar as mangas e recuperar o tempo perdido — tempo que, na verdade, nunca deveríamos ter desperdiçado. As escolas reabrem (finalmente!), os escritórios voltam a fervilhar e a produtividade engata a primeira marcha, como se fôssemos um país de sonâmbulos despertando de um transe coletivo.
Claro, nem todo Brasil dança no mesmo ritmo. No Nordeste, onde a festa se estende para além da Quarta-feira de Cinzas, a vida segue o compasso do frevo, enquanto nos centros financeiros a folia dá lugar ao pragmatismo das planilhas de Excel. Há os que entram na dança do Carnaval e os que seguem firmes no ritmo da rotina, mas, no final, todos estamos presos a um ciclo de espera. Espera pelo Carnaval, espera pelo próximo feriado, espera pelo político que resolverá nossos problemas, espera por um futuro que nunca chega porque sempre adiamos seu começo.
No fim das contas, talvez o grande segredo não esteja no calendário, mas na nossa disposição de agir. O Carnaval é, acima de tudo, um respiro. Mas até quando vamos precisar dessa pausa para fingir que começamos algo? Até quando vamos aceitar que o país só funciona de verdade quando não há desculpas para postergar? Entre máscaras e brincadeiras, encontramos um tempo precioso para recarregar as energias, mas não podemos nos esquecer de que viver não é só folia — é também comprometimento.
Afinal, quer o Brasil inicie antes ou depois do confete, o que realmente importa é encarar os desafios com mais do que a alma de sambista: com a responsabilidade de quem entende que a vida acontece agora, e não depois da próxima festa.