No vasto romance que é a vida brasileira, quem diria que muitos de nós seríamos personagens de um enredo clássico de suspense, digno de Hollywood? O título? Dormindo com o Inimigo. E, acredite, não se trata de um thriller internacional estrelado por Julia Roberts, mas de um drama cotidiano vivido na intimidade de nossas camas e lares, no aconchego das urnas e na vizinhança de nossos bairros.
Veja bem, o inimigo não é só aquele malvado clichê de capa e espada, bigode torcido e risada maquiavélica. Não. O inimigo moderno é um verdadeiro camaleão. Ele pode ter aquele sorriso largo de quem promete mudanças, vestir o terno alinhado da ética, enquanto por debaixo da mesa dá aquela ajeitadinha nas próprias vantagens. Sejamos sinceros: quantas vezes acordamos ao lado do “inimigo” e só percebemos tarde demais que o conchavo era mais antigo do que imaginávamos?
Dormimos com o inimigo quando, sem pensar muito, entregamos nosso voto para aquele candidato carismático, mas que já trocou tantas vezes de lado que mais parece uma cama elástica da política. Dormimos com o inimigo quando aceitamos a corrupção como algo “inevitável” e não questionamos por que os espertinhos sempre se dão bem. Dormimos com o inimigo quando fechamos os olhos para as pequenas injustiças do dia a dia – aquelas que, somadas, transformam o país num verdadeiro pesadelo coletivo.
Mas não é só na política que repousamos nossos sonhos ao lado de vilões. A economia está cheia deles também. São os preços que crescem como se tivessem tomado fermento, enquanto nossos salários encolhem em silêncio. São os serviços que deveriam nos proteger e servir, mas que falham sistematicamente, com promessas vazias embaladas em pacotes de propaganda enganosa.
A ironia de tudo isso é que, ao longo dos anos, muitos de nós desenvolvemos uma relação quase confortável com esse “inimigo”. Aprendemos a conviver com ele, a rir das piadas de mal gosto e a aceitar suas falhas como se fossem meros defeitos de fabricação, esquecendo que somos, ao mesmo tempo, os criadores e as vítimas dessa trama.
O ponto é: talvez já esteja na hora de acordar de vez, puxar o lençol e dar uma boa olhada no que está ao nosso lado. Talvez seja a hora de não só reconhecer o inimigo, mas levantar da cama e deixá-lo falando sozinho. E quem sabe, a partir de agora, escolher melhor com quem dividimos nossos sonhos. Afinal, como dizia um velho ditado: é melhor dormir só do que mal acompanhado.
Bom, e se for para continuar dormindo… pelo menos que seja com um olho bem aberto.