O esquecimento conveniente

Editorial
Guaíra, 19 de dezembro de 2025 - 08h37

Há dias em que a palavra voa alto demais e esquece de olhar para o chão. Em sessões solenes, microfones abertos e discursos inflamados, às vezes se diz muito sem dizer o essencial. Questionar a realidade é legítimo. Negar os fatos, não. Quando se afirma que “ninguém fala”, que “não existe jornalismo” ou que a verdade é “maquiada”, não se faz crítica: pratica-se o esquecimento conveniente.

Porque quem esquece, esquece seletivamente. Esquece manchetes. Esquece alertas. Esquece números que incomodam. Esquece que alguém precisou sair da redação, abrir planilhas, ouvir profissionais da saúde, checar dados oficiais e transformar estatísticas frias em avisos claros à população. Esquece que, quando a vacinação contra a pólio caiu para níveis perigosos, isso foi noticiado. Que quando apenas uma fração mínima completou o esquema vacinal contra a dengue, isso virou manchete. Que campanhas foram divulgadas, prorrogadas, cobradas e explicadas.

É curioso que esses mesmos números, tratados com desconfiança quando impressos nas páginas de um jornal, recuperem imediatamente sua credibilidade quando atravessam projetos oficiais e chegam à tribuna como base de discursos preocupados. O dado não muda. A fonte não muda. O que muda é o lugar de onde se fala sobre ele. E essa mudança, por si só, já diz muito.

Atacar a imprensa local não fortalece a saúde pública. Ao contrário, fragiliza a confiança, estimula a desinformação e afasta a população dos canais que, todos os dias, avisam onde vacinar, quando procurar ajuda e por que não se pode baixar a guarda. Quem realmente se preocupa com vidas não desestimula a informação; soma esforços.

Talvez o problema não seja a falta de informação, mas o excesso de espelhos. O jornalismo, quando é feito com seriedade, não embeleza nem deforma. Ele reflete. E nem sempre o reflexo agrada. Números oficiais não são maquiagem; são fotografia. Se a imagem não agrada, a solução não é quebrar o espelho, mas arrumar o cenário.

Há uma confusão perigosa entre papéis. Informar não é governar. Publicar dados não é executar políticas públicas. A imprensa cumpre sua função ao colocar a realidade sob a luz. Cabe ao poder público transformá-la. Quando esses limites se embaralham, nasce o discurso fácil que culpa o mensageiro para aliviar o peso da responsabilidade.

E é preciso lembrar de quem segura esse espelho. Guaíra não é um deserto informativo. Nossa cidade abriga empresas jornalísticas com histórias que vão de 30 a 97 anos de trabalho contínuo. Redações que atravessaram décadas, governos e crises. Jovens jornalistas que chegam com novas linguagens convivem diariamente com profissionais octogenários que carregam a memória viva da profissão. Gente que aprendeu o ofício no papel, no rádio, na rua e que nunca abandonou o compromisso com o fato.

A verdade não costuma gritar. Ela permanece. Fica nas páginas impressas, nos arquivos digitais, nas edições guardadas que resistem ao calor do momento. Discursos passam, a história fica. E a história de uma cidade é escrita por quem registra, cobra e informa, mesmo quando isso incomoda.

No jornal O Guaíra seguiremos fazendo exatamente isso. Sem maquiagem, sem filtro ideológico, sem medo do desconforto. Porque jornalismo não existe para agradar discursos, mas para servir ao interesse publico e não para publicidade individual. E servir, quase sempre, exige dizer aquilo que alguns preferem fingir que nunca foi dito.

 


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