Há um fenômeno curioso, e admitamos, ligeiramente cômico, que invade discursos, entrevistas, postagens e até conversas de boteco: a pessoa que fala de si mesma como se fosse uma entidade mítica. Não é mais eu fiz, eu penso, eu decidi. Agora é “Carlos acredita que Carlos merece mais reconhecimento”. Uma espécie de novela em que o protagonista narra a própria vida enquanto lê o roteiro em voz alta.
A autorreferência em terceira pessoa virou moda. Não se trata mais de recurso literário, mas de uma tentativa, às vezes desastrada, de autopromoção. Quando um cidadão comum decide se tratar como monumento, a frase deixa de ser simples comunicação e vira inauguração de praça, com fita vermelha, palanque, fogos e o próprio homenageado aplaudindo sua estátua imaginária.
Claro, há quem argumente que falar de si em terceira pessoa traz distanciamento, maturidade, sofisticação. Nada contra. Mas convenhamos: quando o sujeito começa a anunciar “Ricardo não aceita menos do que merece” no meio da fila da farmácia, algo saiu do controle. O problema é que o hábito escorrega facilmente do elegante para o risível. Torna o “eu” uma celebridade de si mesmo, com fã-clube interno e assessoria de imprensa invisível.
No fundo, o que se esconde nesse discurso é o desejo humano, demasiado humano, de ser personagem, não apenas pessoa. De transformar o cotidiano em capítulo épico, a opinião em decreto e a própria existência em boletim oficial. Nada mais moderno, portanto, que a vida transmitida em tempo real pelo próprio protagonista narrando a si mesmo.
Mas eis o risco: quando o indivíduo fala como se fosse outro, corre o sério perigo de não caber nem em si mesmo. E, ao tentar soar grandioso, acaba apenas revelando que o palco é grande demais para os pés descalços.
No fim do dia, talvez seja melhor abandonar a manchete interna e aceitar a simplicidade do pronome original. Porque, apesar de todo o esforço para virar personagem de epopeia, nada vence a honestidade do velho e direto: eu.

