Esqueça Hollywood. Não, este texto não é uma crítica cinematográfica sobre a obra-prima onde Anthony Hopkins imortalizou Hannibal Lecter. Na tela, o perigo estava contido, visível e isolado. O verdadeiro “silêncio dos inocentes”, é o fenômeno real e alarmante de uma sociedade que convive, tolera e, por vezes, aplaude indivíduos de caráter duvidoso, enquanto as vítimas são deixadas à própria sorte.
A grande tragédia não reside apenas na existência de personalidades manipuladoras ou perversas, mas na conivência coletiva que as cerca. Diferente do cinema, na vida real, esses perfis não carregam avisos. Eles circulam livremente em nossas instituições, em nossos círculos sociais e em posições de liderança. O que perturba não é apenas a frieza de quem pratica o mal, mas a passividade de quem observa. Vemos comportamentos tóxicos serem rebatizados como “temperamento forte”; vemos a falta de escrúpulos ser admirada como “ambição estratégica”.
Quantas vezes, em ambientes diversos, o abuso é presenciado, mas ignorado em nome da “política da boa vizinhança” ou da manutenção das aparências? Preferimos o conforto da omissão ao desconforto do posicionamento. A sociedade, muitas vezes, atua como uma câmara de eco que valida o agressor e isola quem ousa apontar a falha moral.
Estamos normalizando o inaceitável. Ao silenciar diante de injustiças evidentes para evitar conflitos, tornamo-nos peças fundamentais na engrenagem que permite que tais indivíduos prosperem. O silêncio, neste caso, não é uma virtude; é uma validação.
Portanto, ao contrário da ficção, os “inocentes” da vida real carregam uma parcela de responsabilidade. O predador social age com impunidade não apenas por sua própria natureza, mas porque encontra um terreno fértil na indiferença alheia. Enquanto o medo de se expor for maior que o dever de agir, continuaremos reféns daqueles que não conhecem limites.

