Em todo vácuo de poder, alguém ocupa o espaço. Essa é uma verdade que atravessa gerações, geografias e sistemas políticos. Quando o Estado se ausenta, seja por omissão, negligência ou má gestão, o vazio que deveria ser preenchido com direitos e dignidade acaba sendo ocupado por algo mais rápido, mais fácil e, quase sempre, mais perverso.
Quando falta saúde, surgem curas milagrosas vendidas em redes sociais.
Quando a escola falha, ideologias simplistas se infiltram onde deveria haver pensamento crítico.
Quando não há segurança, o medo se instala como política pública informal.
E quando o emprego não chega, surgem alternativas duvidosas travestidas de oportunidade.
É nesses espaços escuros da ausência institucional que se proliferam práticas informais, arranjos de sobrevivência, estruturas paralelas que funcionam à margem, mas nunca de graça. Cobram caro: a paz, a liberdade e, aos poucos, o senso de justiça.
A ausência do Estado é mais do que uma falha administrativa. É uma brecha moral. E onde não há garantias, instala-se o improviso. Onde não há políticas públicas, crescem as promessas fáceis. Onde não há liderança, impera a manipulação.
O resultado disso não é apenas a precariedade. É a naturalização do desvio, é o enfraquecimento da confiança social, é o empobrecimento do coletivo. Porque quando as regras deixam de valer, vale tudo. E quando tudo vale, ninguém vale nada.
A resposta não pode ser a indiferença. O Estado precisa estar presente — não como um ente burocrático, mas como uma força viva que garante o básico, que protege os vulneráveis, que educa com seriedade, que oferece caminhos legítimos para o progresso. Um Estado que não somente chegue, mas que permaneça.
Porque onde ele não está, não surge o silêncio. Surge algo que se organiza, ocupa, lucra — e corrói. E nesse processo, perdemos mais do que políticas públicas: perdemos o pacto social. E aí, reconstruir é bem mais difícil.