Vivemos em tempos onde a palavra “justiça” é usada como bandeira, escudo e, por vezes, como mordaça. Mas, num mundo onde a lei nem sempre acompanha a ética, é necessário fazer uma pausa e refletir: nem tudo que é justo é certo, e nem tudo que é certo é justo.
A confusão começa quando usamos “justo” como sinônimo de “correto”. A justiça, tal como está codificada nas leis e instituições, busca tratar todos de forma igual. Mas o que acontece quando essa igualdade ignora a equidade? A lei pode ser justa no papel, mas profundamente cega diante das desigualdades reais. Uma multa é justa para quem tem muito, mas cruel para quem tem pouco. Um julgamento imparcial pode ser justo tecnicamente, mas desumano quando não considera contextos.
E o que dizer do que é “certo”? A moral, os valores e a consciência individual – esses guias silenciosos que habitam cada um de nós – muitas vezes entram em rota de colisão com o que é legalmente aceitável. Proteger um imigrante em situação irregular pode ser ilegal, mas seria errado? Denunciar um crime, mesmo violando um contrato de sigilo, é desleal ou é o certo a se fazer?
Há, nesse embate entre o justo e o certo, uma tensão que revela muito sobre nós como sociedade. Quando a justiça se torna burocrática, fria, matemática, ela perde seu coração. E quando o certo é guiado apenas por convicções pessoais, ele pode se tornar tirânico, ignorando regras mínimas de convivência.
Seria utópico esperar que justiça e retidão moral caminhem sempre juntas. Mas é perigoso quando aprendemos a aceitar que elas estejam, constantemente, em lados opostos. Talvez o verdadeiro desafio ético do nosso tempo seja justamente esse: recusar a anestesia das leis vazias de humanidade e das moralidades que não enxergam o outro.
Porque, no fim, a justiça sem compaixão é apenas punição. E o certo sem reflexão é apenas dogma.
É hora de, mais do que obedecer leis ou seguir princípios, buscar sabedoria para discernir. Afinal, o mundo não precisa apenas de juízes ou moralistas. Precisa de consciências vivas que ajudem a equilibrar nossa dualidade.