“Ser ou não ser, eis a questão.” A frase ecoa desde o século XVII, mas, curiosamente, nunca pareceu tão atual. Shakespeare escreveu para um príncipe atormentado, mas quem lê hoje percebe: Hamlet somos nós. Vivemos cercados de dilemas que parecem íntimos, mas que, no fundo, são coletivos e moldam a sociedade tanto quanto decisões políticas, econômicas ou morais.
A pergunta não é sobre existir. É sobre assumir quem somos, o que defendemos e o que estamos dispostos a fazer diante do caos cotidiano. Ser ou não ser íntegro num país onde a esperteza ainda encanta mais do que a honestidade? Ser ou não ser cidadão ativo num cenário político onde a indignação dura menos que um trending topic? Ser ou não ser empático quando a violência tenta nos embrutecer todos os dias? Ser ou não ser responsável quando o discurso fácil tenta substituir o compromisso real?
A atualidade dessa frase está no incômodo que ela provoca. Hamlet hesita e nós também. No trânsito, quando pensamos em “dar um jeitinho”. No trabalho, quando o silêncio parece mais confortável do que a verdade. No debate público, quando é mais prático escolher um rótulo do que assumir uma posição com nuances. A questão é que toda hesitação, por menor que seja, molda o país onde vivemos.
“Ser” exige coragem e não é coragem grandiosa, de capa e espada. É a coragem miúda, cotidiana, de fazer o certo quando ninguém está olhando. De cobrar coerência dos líderes e de nós mesmos. De não normalizar o absurdo. De não terceirizar a dignidade. “Não ser”, ao contrário, é sempre a escolha fácil: a omissão, a indiferença, a neutralidade conveniente.
A frase de Shakespeare permanece viva porque o mundo moderno nos força a fazer essa escolha o tempo todo. E o Brasil, especialmente, vive um momento em que essa pergunta deveria estar colada em cada gabinete público, em cada sala de aula, em cada manchete.
Ser ou não ser cidadão, justo, consciente, não é uma dúvida literária. É o eixo de qualquer sociedade que ainda acredita que pode dar certo.
A questão, afinal, não é de Shakespeare. É nossa. E a resposta, gostemos ou não, é diária.

