Entrevista da Semana

Paulo Sérgio Lelis: um historiador nato

Cidade
Guaíra, 28 de janeiro de 2018 - 10h22

Dr. Paulo Sérgio Lelis é Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), foi aluno do Franco Montouro, Ataliba Nogueira, Washington Monteiro de Barros, Osvaldo Aranha Bandeira de Melo, Celso Aranha Bandeira de Melo, mestres do Direito de quem muito se orgulha. É advogado com curso de mestrado em Direito Público, casado com a professora Liliane Magri Lelis, paulistana, apaixonada por Guaíra. Paulo é pai de Daniel, engenheiro na Petrobrás; e Marcelo, engenheiro agrônomo na multinacional Monsanto; e avô de Luísa e Marina.

 

Você gosta muito de política?

Gosto! A política é meio genética na minha família. Meu avô, Capitão José Custódio, foi um dos fundadores de Guaíra. Ele veio para cá em 1889, nasceu em 1876. O interessante é que ele tinha 10 anos quando a ‘monarquia caiu’. Um fato curioso, que ele sempre me contava, é que um dos vizinhos ficou sabendo da queda da monarquia, ele morava em fazendas na região de Nuporanga, perto de Batatais, da família Junqueira e este vizinho, chegou a cavalo, à tardezinha, para dar notícia para meu bisavô dizendo “ô Camilo, derrubaram o Pedrão”. Nesta frase, se nota o amor e o carinho que povo brasileiro tinha pelo Imperador.

 

Quando ele veio para Guaíra?

Quando meu avô tinha cerca de 20 anos ele veio conhecer a esta região. Esta região era conhecida em Batatais como “Fundos”, era como se fosse o sertão do Brasil, aqui só moravam caboclos. Sou por parte dos Garcia Leal, descendente de caboclos. Meu avô se casou em 1903 e se mudou para Guaíra. Veio com a esposa, a cavalo. Se estabeleceu aqui, construiu a casa e foi se envolvendo com a comunidade. Foi um líder, na década de 20 já era  vereador. Guaíra pertencia a Orlândia e ele ia toda semana – a cavalo – nas sessões da câmara, em Orlândia, demorava dois dias para chegar lá, provavelmente dormia nas fazendas, nos parentes e na Fazenda  Perobas que era da família. Aí começou a luta para tornar Guaíra um município. Para isso, teria que se construir um prédio para ser a câmara. Ele vendeu uma partilha de gado e, com três meses, ergueu o prédio da câmara. Fizeram reunião, estouraram champanhe, João Vacaro esteve presente, eram vizinhos, foi uma festa bonita. Aí começou a história política de nossa cidade. Primeiro o prefeito Gabriel Garcia Leal, depois veio o Enoch, mas com muita dificuldade. Guaíra era uma cidadezinha que ficava num canto, no norte do Estado. As estradas importantes, como a Mogiana, passava a 60 Km; entre Guaíra e Barretos tinha um rio, sem ponte. Tudo dependia muito dos fazendeiros.

 

Uma curiosidade desta época?

A serralheria Flores é quem fornecia a energia para Guaíra, então havia horas em que não tinha essa energia. Durante o dia não tinha, durante à noite, liberava a luz para a população. Em 1958 quando fui estudar no Colégio interno, em Batatais, Guaíra tinha oito mil habitantes. Não tinha asfalto, dependia das famílias que tinham mais recurso. Era um município agropastoril. Vivia-se do gado, do porco, de uma rocinha de milho. Quem tinha um pouco mais de dinheiro era quem vendia o gado para o Frigorífico Anglo, de Barretos. Minha mãe, quando foi estudar no colégio Santo André de Jaboticabal, ia até a margem do Rio Pardo, pegava uma canoa e ia para o outro lado quando a balsa estava estragada. Fez isso durante anos.

 

A política era acirrada nesta época?

Havia uma luta política no tempo dos coronéis, entre os Lelis e os Garcia. Mas, em 1940, Guaíra já começava a entrar numa produção agrícola e a política começou a mudar.  O algodão despontou. Então, era “Capital do Ouro Branco”, “Escola Ouro Branco”, “Cine Ouro Branco”. Mas, o algodão exigia terra boa, terras mais férteis. No cerrado, era o gado que precisava de um tipo de capim que dependia muito da chuva. Uma penúria.

 

Quando começou de fato a vida política de nossa cidade?

Na década de 60, começou uma grande mudança: Dr. Nenê – José Pugliese – convidou do Dr. Chubaci para vir para Guaíra. Ele se integrou na política, foi vereador, e aí ele percebeu o ambiente político e formou seu grupo. Aí, chegou à nossa cidade Dr. Aloízio, mocinho que analisou os dois grupos existentes e aderiu ao grupo do Dr. Chubaci. Eles formavam uma dupla muito importante para o desenvolvimento da cidade. Eu me lembro daquele pleito, foi uma disputa calorosa, de um lado Chubaci, do outro o Sr. Mario Ferreira. O povo idolatrava os médicos. Chubaci era muito preparado e foi uma sorte para Guaíra.  Assim, Chubaci na prefeitura e Aloízio na câmara de vereadores, prepararam um plano chamado PAI – Programa de Administração e Investimento – que foi para reestruturar toda cidade. Um programa abrangente: na água, na iluminação, no esgoto, no asfalto, trocaram os postes de madeira por cimento, e assim foram modernizando a cidade, dentro do programa imposto pelo IBAM – Instituto  Brasileiro de Administração Municipal – com sede no Rio de Janeiro.

 

E depois, já nos anos setenta?

Nesta época, Guaíra era modelo de cidade organizada. Tinha um IDH com quase 100% em tudo. Tinha 100% em iluminação, 100% de água e esgoto, 100% de asfalto. Um cuidado que todo governante deveria ter é quando começava uma casinha, em pouco tempo, poderia sair do controle se não fosse equacionado.

 

E o resultado de 20 anos de boa administração da dobradinha Chubaci\Aloízio?

Serviu de exemplo para os posteriores. Tivemos um Dr. Fábio, posso dizer que foi um excelente prefeito, porque participei dessa administração como Diretor da Procuradoria Municipal; ele teve a confiança de me dar uma procuração em que eu ia em todas as repartições e assinava em nome dele. Nesta época, indiquei a Marta Saito como paisagista e ela elaborou o projeto Burle Marx. Quando a Dra. Sueli, que era Diretora da Caixa Econômica, telefonou para Dr. Fábio, ele me chamou e informou que iriamos ganhar o projeto Burle Marx e Oscar Niemayer. Como uma falha de memória, não pensei em modernizar o Teatro de Arena, mas aceitamos o projeto de Burle Marx e Marta foi o elo entre o escritório do Rio de Janeiro e a implantação, porque tinha muitos detalhes, como as plantas que nãos se desenvolveriam na região. Então, Marta Saito contribuiu imensamente, porque ela desdobrou o projeto.

 

Lance de sorte

Em 1964, a dupla tomou posse, mas em seguida houve um movimento militar, que fez uma grande reforma tributária. Aí o município começou a receber mais recursos, porque implantou o ICMS. A filosofia era: você ganha na medida em você produz. Como Guaíra já vinha introduzindo a soja, a agricultura e a grande vantagem dos militares foi que o Brasil era um país rural e atrasado, eles implantaram uma política de modernizar a agricultura do Brasil financiando o calcário, a calagem da terra, criaram a EMBRAPA para fazer pesquisas e, se o país hoje é uma potência, é graças aos militares que modernizaram-no. Incentivaram a produção de grãos. Hoje usamos somente 7% de uso de sua terra e quase que alimentamos o mundo inteiro.  Existem movimentos e ONGS em cima e energia e meio ambiente do Brasil para impedir que o mesmo se torne uma grande potência de produção maciça para não criar um desequilíbrio de preços internacionais.

 

Guaíra deve muito a estes dois nomes?

Sem dúvida, porque eles se revezaram na administração municipal e deixaram grandes exemplos para o futuro. Tanto é que na última administração do Dr. Aloízio, ele nos deixou o legado da FAIG, que lamentavelmente o Sr. José Carlos Augusto desmanchou a pedido dos presidentes do rodeio. O angar, que era um espaço para as exposições, trabalhos manuais e culturais e pintura, desmanchou-se também, assim como o teatro de arena, que era o segundo teatro do Estado de São Paulo. Nenhum prefeito pós-Aloízio teve a capacidade de terminar o teatro. Quando se faz isso, se interrompe qualquer atividade cultural neste sentido. Acaba o espaço dedicado à arte cênica. Naquele tempo, nossa cidade tinha cinco grupos teatrais formados pelo teatro da Casa de Cultura. Se os prefeitos posteriores tivessem dado incentivos, hoje nós teríamos, aqui, o Festival do Teatro.

 

E a implantação da guarda municipal?

Eu tinha conhecimento que nos Estados Unidos a Polícia era Municipal. O Major Mendonça, sabendo do meu interesse em montar uma polícia municipal, me ajudou muito. Tinha que pedir autorização ao Secretário da Segurança, que era o Fleury, que foi governador. Fomos conversar, o Adnaer foi junto e assim montamos a segunda, a de Indaiatuba foi a primeira. Fomos lá ver como funcionava, pegamos o estatuto e Guaíra foi muito bem montada, tanto que serviu de exemplo para outras cidades. Hoje, a guarda municipal está esquecida, ela foi locada provisoriamente no centro e provisoriamente continua. Ali pode ser um posto, mas acho que ela deveria ficar onde foi a FAIG, tem um imóvel desocupado e poderia ser distribuído fazendo postos nos bairros. Existe um imóvel na Praça da Santa Casa, no Aniceto também poderia ter um posto policial, para atender e dar segurança para a população. São ideias simples, mas que não passam pelas cabeça dos administradores.

 

Faltou visão?

Quando se administra uma cidade, tem que se projetar esta administração para o futuro. Estabelecer critérios para o futuro. Não se pode ficar somente no presente, com este joguinho político que isso não traz progresso para ninguém.

 

E o Dr. Fábio Talarico?

Fez uma grande administração.  Na época de Franco Montouro que tinha o Dr. Fábio como um líder, tinha tudo para ser um deputado, era uma luta para asfaltar as duas vicinais. Deixou as duas vicinais e foi inaugurar na próxima administração.

 

Adnaer de Barros Lelis?

Começou a sua política com 18 anos de idade. Foi o mais novo vereador da legislatura. Sempre foi uma grande liderança. Foi sempre muito bem votado. Cumpriu com todo o programa do Dr. Fábio e saiu muito bem da administração.

 

José Pugliesi – Menininho?

Foi um grande diretor da Carol. Empresário, tinha autoridade e deixou dois legados importantes, como o Velório, porque era sofrido ter que velar os corpos dentro das casas; e o Centro de lazer.

 

Dr. Orlando Junqueira:

Grande nome da nossa política. Os grandes nomes que dirigiram nossa cidade termina por aí, com Dr. Orlando. Depois disso, deixaram muito a desejar. Dizem os jornalistas americanos que uma administração pública deslancha nos 100 primeiros dias. Se ela não mostrar a que veio nos 100 primeiros dias, a gestão estará fadada ao fracasso. O povo de Guaíra sabe que não tem dinheiro para fazer grandes empreendimentos na cidade, mas, pode-se colocar banheiros públicos ao redor do lago, sinalizar as ruas, colocar mais semáforos, implantar a área azul. E tem mais, com o número ascendente de bairros, o aquífero não tem acompanhado esta evolução. A cidade, hoje, precisa de mais de três poços de água. Temos dois, mas precisa-se de quatro. Temos o Ribeirão do Jardim, que também é utilizado pelos agricultores, mas é preciso ter a mentalidade e ter uma boa convivência com aquele que produz, que gera empregos, que recolhe impostos, com aquele que presta serviço. É preciso ter um bom senso entre o público e privado. Durante a seca, os poços artesianos seriam a reserva para fornecer a água e cederiam a água do Ribeirão para aqueles que produzem alimentos, pagam impostos e geram empregos.

 

Desabafo

Chegou o momento em que a classe média do Brasil acordou e está exigindo uma mudança radical na postura dos políticos. Temos aí uma leva de políticos medíocres, incompetentes, não conhecem a história, não conhecem a formação do seu povo, não conhecem a história política do munícipio. Vou te dar um exemplo: Policarpo Cardoso da Silveira, prefeito de Guaíra, administrou nossa cidade com parcos recursos e fez uma bela administração. Fez uma cidade bonitinha. Quando Garcez veio visitar a cidade, ficou impressionado. Então, hoje, se existe político ruim, incompetente, que não gosta de ler, como diz o Professor Marco Antonio Villa, porque não sabe da história, do passado, não sabe como foi para construir a cidade, o Estado, o País. A história serve de exemplos. Falta Cultura! Guaíra é uma cidade urbana com os mesmo problemas dos grandes centros. Nós temos problemas de drogas, pessoas que dependem da saúde pública. O administrador tem que se preocupar com o bem-estar da população. Este é o princípio da república. O bom prefeito é aquele que cumpre o bom preceito da República, que cumpre com a obrigação que ele assumiu. Recordando aqui o presidente John Kennedy, que disse que você não pode esperar o que o seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país. Se cada brasileiro dedicasse pela sua comunidade, este seria um país de primeiro mundo.  Pode-se começar com coisas pequenas, não jogando papel na rua, por exemplo.

 

E a atual administração?

Foi uma campanha baseada no sentimentalismo. Hoje, aqui e em qualquer cidade, o prefeito não pode ser bonzinho. O bonzinho é sempre vizinho do bobinho. O prefeito precisa ser enérgico, precisa ter um programa de governo, tem que exigir.  É preciso apresentar o que ela precisa. O que é prioritário. Sempre visando as gerações futuras. Aqueles que virão depois vão encontrar alguma coisa feita que lhes vão servir de exemplo para também jogar mais coisas pela frente. O filho deveria ser melhor do que o pai. O neto deverá ser melhor do que o avô. É assim que se evolui. Guaíra tem muita gente boa, tem um Camilo Geraldo, professor universitário, um Moreirinha, que poderiam estar na prefeitura.

 

A paixão pela a monarquia

Quando você sabe da história, se apaixona por ela. Sou um advogado, fiz mestrado sobre o respeito e a dignidade humana. O inconformismo da injustiça está no meu íntimo. O que fizeram com D. Pedro II foi injusto. Os militares ambicionavam o poder. O Brasil estava rico. País tinha dinheiro. E quando se vai ver a razão da queda é pelo simples fato de ter contrariado a elite rural que era escravocata. O partido republicano, diante da monarquia, era um partido reacionário que queria manter economia do Brasil, que era baseada em cima da mão escrava. Não queriam que se abolissem os escravos. Os projetos fantásticos que a monarquia tinha com a princesa Isabel, junto com o negro André Rebouças, engenheiro, estudou na Inglaterra, modernizou os portos, da reforma agrária, da distribuição das terras aos negros, porque não adianta libertar e jogar  na rua,  tem que dar um apoio financeiro para ter ascensão social. Tanto é que os monarquistas foram os que mais apoiaram os negros no Brasil. Tivemos grandes juristas, poetas, médicos, escritores, jornalistas, todos negros, a república não formou este tipo de classe, como foi formado na monarquia. Quando se vê tudo isso, nota-se que a república só gera crise. Fiz a campanha da monarquia. O comunista e partidos como o PT, PCdoB,  PSOL não toleram a monarquia porque eles não têm chance de se infiltrar. Qualquer indivíduo que estuda a história do Brasil se apaixona pela monarquia.


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