Entrevista da Semana por Kátia Lacativa

Geral
Guaíra, 13 de agosto de 2017 - 10h12

Com Paulo Sérgio do Nascimento

Paulo Sergio do Nascimento – conhecido como Paulinho Careca – é um dos cidadãos mais carismáticos da nossa sociedade. Abrimos, com ele, uma série de entrevistas que deverão ser publicadas aos domingos em nosso jornal.

Paulinho tem 66 anos e muitas histórias para contar.  Filho de Salustiano Lopes do Nascimento (o saudoso Lulu) e Dona Hilda, é casado com a professora Neusa Faleiros, e pai de dois filhos, Cristina e Franco.

Como era Guaíra durante seus primeiros anos de vida?

Nasci e cresci na Rua 8. Tenho orgulho de ter nascido em Guaíra. Pertenço à família dos “Baianos” (risos). Para mim é a rua mais linda desta cidade maravilhosa. Tudo começava por ali, na 8.  Aliás, ela é o começo e o fim de tudo. Todo mundo acaba, um dia, no final da 8, por isso que ela é linda. É a entrada da cidade, por onde entrava também o circo, as procissões, os enterros, as comemorações, forte do comércio. Morei até os 30 anos, ali, com minha mãe e somente me mudei depois de casar. As melhores lembranças estão ali. Sentávamos lá fora; os vizinhos vinham chegando, traziam as cadeiras.

Como foi sua infância?

Estudei no Francisco Gomes. Não tínhamos riqueza material, mas foi uma época muito boa, tínhamos somente duas trocas de roupas para o final de semana, mas éramos ricos pelo que podíamos fazer. Íamos para a matinê, ao cinema, cada um tinha o seu artista dentro da alma. Éramos o Tarzan, o Roy Roger, o Durango Kid, nadávamos nos córregos, “varávamos” (entrar debaixo da lona do circo sem pagar) nos circos. Comíamos de tudo, misturávamos manga com leite e nada fazia mal. À noite, havia brincadeiras dançantes, todos juntos, não havia maldade, nem malícias, era tudo muito ingênuo e saudável.

Quem eram os “terrores da meninada”?

Naquela época, frequentávamos muito os clubes: o Grêmio e a Maracá. No Grêmio tinha os “réveillons”, onde as mulheres vestiam longos e os homens ternos. Tudo muito chique. Nossos carnavais também eram memoráveis. Havia os blocos: piratas, odaliscas, havaianas, irmãos metralhas… Tinha os “comissários de menor” (Jucão e Isaltino) que eram o terror da meninada. Nós podíamos fazer de tudo, nadar, roubar frutas, mas quando dava 21horas e os comissários chegavam, a garotada corria, cada uma para suas casas. Eles ficavam na porta do Grêmio, do cinema… E acabavam com a farra.

Começou a trabalhar cedo?

Naquela época podia! Comecei aos 8 anos. Todo mundo queria engraxar sapatos com o Pacu. Eu tinha uma caixa de engraxate, mas meu pai dizia que tinha que trabalhar numa firma. Aí arrumei um emprego com o Seu Zezinho carpinteiro, pertinho de casa, entrei às 7 horas e fui até meio dia, não voltei mais. Ali fabricava caixões de defunto, foi o emprego mais rápido que arrumei. Depois fui para a Heliar, dos 9 aos 18 anos, trabalhava com o Sr. Ademar, com Zé Henrique Garcia, com o Celso… Tinha muita liberdade, podia sair para treinar, para jogar, se machucasse não descontava. Depois fui para o Banco Comércio e Indústria. Não aguentei!!!  Voltei para a Heliar, mas aí o Acosta –  que era técnico da Guairense –  me levou para Fernandópolis. Joguei um semestre, porém, era difícil, segunda divisão… Depois fomos para Rio Preto. Foi quando meu pai faleceu (eu aos 19 anos). Voltei para fazer companhia à minha mãe porque as irmãs já estavam casadas. Comecei a trabalhar no “Guaíra Pneus”, cujos donos eram Sr. Farid Cury, Mininho, Dr. Aluisio. Entretanto, Sr. Dirceu me chamou para fazer um teste no Banco do Brasil, onde acabei ficando até aposentar no ano de 2000.

É verdade que você foi coroinha da Igreja?

É verdade sim (risos)… Fui coroinha do Padre Orlando, do Padre Luis e do Padre Gino. O prazer dos coroinhas era carregar a Patena, que chegava até nos queixos das garotas. Um dia, parei com a Patena e fiquei olhando para uma das “meninas” dos Lellis, não me lembro qual delas, e o Padre Gino me deu um chute… Às vezes a gente comia a hóstia, sem consagrar, e bebia um pouquinho do vinho do Padre.  Foi uma fase boa da minha vida.

Você também fez parte da FANEGAL?

Com orgulho me lembro disso! Naquela época, a maior glória para um aluno era fazer parte da fanfarra, com o Professor Álvaro, um homem íntegro, honesto… Me lembro do João Figueiredo, na frente, a marcha batida, que dava o aquecimento, que até hoje, só de lembrar me emociono. Lembro das balizas, do Amir Saud, que dava o toque da corneta, do Dirceu Peteleco, do Fernando, das excursões para as cidades onde erámos recebidos como autoridades, do prêmio em Ribeirão Preto. Comecei na corneta e terminei no fuzileiro. Só não toquei pratos, porque que eram ofício das meninas. E a gente fazia o maior esforço para não perder os ensaios de madrugada, para chegar na hora. Era show! Um orgulho fazer parte daquela fanfarra. Nesta época me esforçava para estudar com a Dona Vanda Talarico, Dona Silvinha Garcia, Dona Neila e Dona Nilde…

E o Pindoba?

Esta caminhada ao Pindoba surgiu com uma ideia nossa, quando inaugurou a Campofet, o Wilber Stein reuniu uma turma: Zé Tomás, Zeinho, Destrão, e fomos fazer uma caminhada até a “cachoeirinha” que existia em Guaíra. Fomos cantando, o Wilber deu o lanche e as bebidas e andamos. No meio do caminho tivemos a ideia de chegar até o Pindoba. No outro ano, o Orlandinho já começou a organizar, com camisetas, e convidar o povo de nossa cidade.

Soubemos da sua história com o futebol de salão. Conte-nos um pouco sobre essa época.

Futebol era a prioridade para a garotada. As meninas eram direcionadas para serem professoras e os meninos trabalhavam no comércio e jogavam futebol. As quadras ficavam lotadas. A família Osório tinha um time de futebol de salão. Todos eles jogavam. Tinha outro time – “Os dodóis” – que era do Carlitinho. Certa vez, um de Ribeirão Preto, chamado “Os intocáveis”, veio jogar contra os “Osórios” na quadra da escola Enoch. Foi um acontecimento! No futebol de campo fiz muitas amizades. O saudoso Moreira nos levava para jogar – todo domingo tinha jogo – ou com os times da Vila Aparecida ou Bom Jesus e nas fazendas Matão, Sertãozinho… Hoje, quando vejo o estádio, me sinto como aquela música do Moacir Franco: “Tua ilusão entra em campo no estádio vazio”… Antigamente, domingo à tarde, o estádio já estava lotado, o Seu Chicó tratava tudo com carinho. Quando o Luiz Aguiar trouxe os times do São Paulo e do Corinthians para jogar aqui, eles ficaram encantados com o gramado. Na minha época, tinha o River e o Palmeirinha que se uniram para formar a Guairense, mas antes disso, no tempo do Rene, Lucílio, Gota, Zu, Mauro Dante, Cuíca, já formavam o time “Guaíra”. Chegaram a fazer uma preliminar em Ribeirão Preto no jogo do Santos. Tinha também o Tiãozinho, Ite, Tim Esperança, Demir Saud, Luizinho Curceli, Cacalo, Crezo, Pão e Branco.

Curiosidade

Pão e Branco são gêmeos e muito parecidos, excelentes jogadores da família Osório. Dizem que, em alguns jogos, cada um jogava meio tempo, era só trocar a camisa, o juiz não notava. Outra curiosidade, quando tinha 12 anos, estavam jogando os Alfaiates contra os Sapateiros, começou o jogo, eu estava no banco de reserva dos Alfaiates, naturalmente, e a banda vinha tocando… Aí o Teodósio me chamou e falou: “entra pra resolver”, o mesário era o Vicente Lacativa, que disse que eu entraria no jogo somente mediante autorização do meu pai que vinha entrando com a banda. A banda parou no portão, não entrou no campo, e eu não entrei no jogo! Chorei o dia inteiro!!!

E a famosa história do programa Cidade Contra Cidade?

No final dos anos sessenta, em 1969, Silvio Santos, do SBT, fazia um quadro chamado “Cidade contra cidade”. Só os mais velhos vão se lembrar. Guaíra foi contra Pirassununga, onde há uma base do Exército. Arrecadava-se dinheiro pela cidade e lá se trocava os envelopes. Guaíra ficou com a quantia que Pirassununga arrecadou direcionada para a Santa Casa e vice-versa. Levamos um bode que tinha nascido com três chifres. O bode escapou e foi uma correria danada atrás dele. Levamos também um caminhão de arroz e uns embutidos que o frigorífico de Guaíra tinha mandado fazer, tudo muito especial. Sumiu tudo antes de entregar para o Silvio Santos. Arrumamos uma moça que dançava rumba, do circo de Ipuã. Eu fui escalado para bater os pênaltis.  Tadeu foi tentar pegar no gol de Pirassununga. Primeiro que trocamos de roupa embaixo de uma escada, depois me empurraram para o palco. O gol era de futebol de salão e a bola de borracha.  s luzes do palco ofuscavam e eu tive medo de cair do palco (risos). Tinha três oportunidades: fiz o primeiro! E só! O corpo de jurados começava dizendo assim: gostei muito da apresentação de Guaíra, mas meu voto vai para Pirassununga (risos). Lembro também o Zezinho Giagio andando de bicicleta de uma roda só. Boas lembranças.

Diga-nos um sonho possível?

Tenho muita vontade de reunir este pessoal mais velho na praça São Sebastião, trazer a banda, “bater papo” e passar uma tarde de recordações. Eu sinto também é não ficar sabendo quando as pessoas morrem. Antigamente tocava-se o sino da Igreja, o serviço de alto-falante anunciava e Guaíra inteira tomava conhecimento. Hoje, quando fico sabendo, até já passou a missa de sétimo dia.

Festas em família

Nossas festas sempre foram boas: regadas ao Ponche! No final do ano, no comércio, era fácil ter um garrafão de vinho oferecido em uma rifa, daquelas rifas em que se marcava o nome da pessoa. Assim, nós comprávamos uma dessas, abertas, nas livrarias, colávamos o nome que a gente queria e depois íamos no comércio que estava vendendo a rifa e, enquanto um de nós distraía o dono do estabelecimento comprando um picolé, trocávamos a rifa que estava pendurada no pescoço do garrafão pela nossa. (risos). Era vinho sangue de boi. Uma maravilha.

Quem é a “ídola”?

Neusa, minha esposa – que chamo carinhosamente de minha “ídola” – era professora quando veio para cá. Foi minha professora na Escola Técnica e só consegui me formar por causa dela. Eu a ouço em qualquer situação que apareça, ela é ponderada, inteligente e eu a admiro em todos os setores.

Se você tivesse o poder de trazer uma pessoa que já nos deixou, quem você traria?

Meu pai, sem dúvida, meu pai! Foi músico e fazia também peças de teatro no antigo salão paroquial. Eu o acompanhava em tudo. Desenvolvi este lado humorístico me espelhando nele, este gosto pela música, pelo canto. E só sinto que os filhos de hoje não têm o mesmo acompanhamento com seus pais. Tudo era o pai e a mãe. Eu o acompanhava no campo de futebol, nas serenatas, tudo sempre junto. Gostaria de ver mais uma vez minha mãe, minha irmã, a Nâna, o Zeinho, o Du… Eles se foram muito  cedo.

 


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