Envolvente, documentário O Golpista do Tinder destrói complexo de Cinderella

Documentário da Netflix tem uma narrativa tão eficiente quanto a de um conto de fadas.

Cidade
Guaíra, 6 de março de 2022 - 14h23

Quando O Golpista do Tinder começa, a direção de Felicity Morris é emblemática: trechos de princesas da Disney e filmes antigos são intercalados com os depoimentos das vítimas do criminoso. Nos primeiros 15 minutos, Cecilie Fjelhoy descreve seu encontro com Simon Leviev com o olhar de uma menina deslumbrada. O que a diretora quer é isso mesmo: olhar pra dentro desse complexo de Cinderella, que ignora sinais básicos de alerta em nome da oportunidade de viver um romance com um homem bonito, rico e misterioso, tal qual Anastasia Steele e Christian Grey.

 

Essa é a primeira vez que Felicity dirige um documentário, depois de ter trabalhado como produtora em outros sucessos do gênero como Don’t F**k With Cats e Women in Prison. Era importante que essa narrativa sobre mulheres sendo enganadas por um manipulador de emoções passasse pela ótica de uma diretora, capaz de entender os mecanismos que vulnerabilizam uma vítima, sem perder de vista a crítica cuidadosa. As vítimas Cecilie, Pernilla e Ayleen não fizeram nada de errado, mas o documentário precisava ser direto sobre elas, para que outras mulheres abrissem seus olhos caso estivessem vivendo uma situação semelhante.

 

É claro que quando clicamos para assistir o doc, sabemos que a descrição deslumbrada de Cecilie vai terminar do jeito errado. Por causa disso, os trechos de filmes antigos e animações parecem ainda mais indigestos. As referências que saem da boca de Cecilie – e mais tarde das bocas de Pernilla e Ayleen – têm sempre o pé na Disney, com palavras como “príncipe” fazendo parte direta de como elas entendiam a proximidade com o larápio. A diretora Felicity Morris está nos dizendo que sim, a cultura pop tem parte da culpa, e Simon Leviev é tão bem sucedido no que faz justamente porque tem controle disso.

 

Começando com a ternura, com a expectativa; e chegando até a verdade mais inconcebível, a narrativa do documentário funciona como se fosse uma ficção, que primeiro capta o espectador e o faz torcer pelos seus personagens; para logo adiante começar a nos bombardear com a realidade, com a “moral da história”. No início tudo que aquelas mulheres querem é a salvação, tal qual a Princesa clássica mais subserviente. Ao final, o conto se moderniza e é hora de cada uma tentar salvar a si mesma. De certa forma, sabendo que a justiça não foi feita, a diretora do documentário talvez tenha revisto o foco da sua “trama”. O Golpista do Tinder é muito mais sobre essas mulheres que viveram o inferno, do que propriamente sobre o capeta.

 

Super Like

 

Mesmo que de maneira simples (linkando apenas imagens e depoimentos), o documentário se organiza com competência e nos envolve. Cecilie e Pernilla são mulheres agradáveis, contam tudo que lhes aconteceu com certo humor e com isso nos fazem torcer para que tudo dê certo. Não será assim, claro. Quando o doc chega na fase das revelações, as duas entregam com uma riqueza de detalhes abismal, tudo que Leviev tinha guardado para elas. O amontoado de contas e o rombo que ele vai provocando naquelas vidas é grotesco. Tudo que você quer é uma dose de vingança e um pouco de justiça, como na melhor das produções televisivas.

 

Ao menos a vingança vem. O doc avança para a chegada de Ayleen, a terceira vítima, que assume os riscos de “golpear o golpista”, num avanço sombrio da história em direção ao final. Todo bom “conto de fadas” precisa da hora em que a “mocinha” contra-ataca. Há uma catarse inevitável nesses minutos finais; e que só funcionam tão bem porque a costura do documentário é maniqueísta (como esperado): encontro, amor, traição, vingança. O que começa como uma atração via Tinder se transforma numa relação direta entre vítima e algoz. Queremos que as mulheres arruinem o sujeito. Mas, sabemos secretamente que a vida não se organiza tão justamente.

A diretora Felicity Morris se dedica a reforçar que a decepção com o criminoso não vai neutralizar o sonho do “príncipe encantado”. Mas, a essa altura, já estamos vendo a justiça acenando para todos nós do lado de fora da sala. É um final cruel, inadmissível, mas cheio de realidade. Os sorrisos de Cecilie, Ayleen e Pernilla representam esperança. Mas, o compilado de imagens do instagram de Leviev debocha das consequências. O problema nunca foi o Tinder… Quem nos aniquila também é o que nos faz tão humanos: a nossa capacidade de perseguir o amor (é acreditar quando ele vem).

 

Fonte: HENRIQUE HADDEFINIR


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