Não vou falar daquele homem descendente de italianos, que sofreu todas as injustiças que os imigrantes recebiam naquela época, e se manteve probo, honesto e fiel aos seus ideais.
Vou contar o que ele foi desde que nasci.
Em Guaíra, no início de 1943, o mundo em guerra, a dona Bepa, italiana, parteira que se vangloriava da verdade de nunca ter perdido um só’ parto, estava no quarto de minha casa, onde já havia nascido meu irmão Jose’, que com choro forte anunciava a sua vinda ao mundo.
Dona Bepa com sua experiência, dizia Meu Deus, ainda tem mais um. Este um, nasceu todo roxo, sem respirar, todo mole, sem choro, minha mãe gritava pelo seu Santo salvador – São Jose. Dona Bepa também gritava na possibilidade de perder um. De repente meu pai, Vicente Lacativa, que nunca tinha visto um parto, ouvindo aquela gritaria, entra no quarto, me pegou nos seus braços e numa inspiração divina, sugou do meu nariz e minha boca, tudo que me asfixiava, e num choro tímido voltei a vida.
Até hoje penso como um homem, leigo em medicina, que nada sabia das complicações de um recém-nascido, que nunca tinha visto um só’ parto, aspirou com sua boca todo catarro que me obstruía como um aspirador eficiente, como os mais atualizados nos dias de hoje.
Com muito carinho fui colocado numa caixa de sapato, o meu primeiro berço.
Em outubro deste ano de 1943, o leite da minha mãe ficou escasso, e não havia leite de vaca devido à guerra. Minha mãe orava e pedia chorando ao seu santo, quando um tromba d’agua, carregava na enxurrada uma cabra com seus cabritinhos já mortos. O meu pai, enfrentou a tempestade e salvou a cabra. Trouxe para casa, a secou e a cobriu com pano ao lado do fogão para aquecê-la. Ao amanhecer, não se ouvia mais o choro de fome, pois eu e meu irmão estávamos mamando na cabra, e por dois meses foi a nossa ama de leite.
Que valentia, amor e coragem teve este homem, com risco da própria vida salvar um animal se afogando, não imaginando que poderia resolver a alimentação dos filhos. No inicio de 1944, ainda em guerra, tive meu corpo todo queimado por água fervendo, uma das travessuras inocentes de meu irmão Jose, minha mãe desesperada clamou ajuda a São Jose, os gritos foram tão fortes que um viajante ao saber do ocorrido, informou, que em Orlândia um soldado havia morrido devido às queimaduras sofrido na Guerra, e tinha sobrado os medicamentos que trouxeram da Itália.
Meu pai, a pé’, de bicicleta, carroça, foi durante toda a noite até’ Orlândia e trouxe a Penicilina e a pomada de Picrato de butezina, que me curaram da pneumonia e das queimaduras. Hoje, aos 82 anos, tenho um quase invisível marca da queimadura e um agradecimento aos céus por ter tido um pai assim, amoroso, forte e destemido. Por mais 2 vezes fui salvo por ele, meu pai, Vicente Lacativa
Vou falar mais dele, da sua determinação em manter o jornal “O GUAÍRA”, NO TEMPO DA GUERRA, não havia papel para imprimir o jornal, ele usou papel de embrulhar pão, para manter a circulação do jornal, sua determinação profissional invejável.
Muitas vezes a confecção do jornal atrasava, ele trabalhava a noite toda, devido à necessidade para ficar acordado, colocava pedaços de gelo nas costas.
Quando o jornal ficava pronto, abria um largo e contagiante sorriso. Foi um baluarte na implantação da rádio Guaíra. Difícil foi esta lida, mas com os amigos teve uma conquista muito importante para a cidade de Guaíra. Criou um programa de esporte e um programa sertanejo para dar incentivo aos cantores e manter a tradição guairense.
Na prefeitura, como vereador, incentivou a obrigação do cumprir os estatutos da “Lei Orgânica dos Municípios”, que norteava o caminho e conduta dentro da lei nos processos municipais.
Manteve no jornal, a sua dedicação inflexível em manter a retidão na informação da realidade dos fatos acontecidos. Nunca esmoreceu ante a intimidação, chantagem e corrupção, pagando um preço como empastelamento da gráfica, e bloqueio financeiro.
Conselheiro admirável. Com sua calma, honestidade ouvi a todos que vinham a procurar=lo
Quando minha mãe ficou gravemente doente, permaneceu ao seu lado, servil, gentil, companheiro, sempre a disposição. Quando minha mãe faleceu, protegeu a família como a minha mãe fazia.
Sempre ajudou aqueles que pediram.
Sempre ensinou aqueles que o procuravam.
Sempre foi amoroso com os necessitados
Sempre foi respeitoso com todos.
Mas o que mais me impressionou até’ hoje neste meu pai foi como ele descreveu a essência da nossa vida, ou seja, porque o homem existe, assim ele descreveu o mesmo que os grandes filósofos acreditam –
“O maior legado que um homem pode deixar para sua terra,
e’ torná-la um pouco melhor para aqueles que virão depois”
Assim também, como um homem, que não era frequentador de igrejas, cultos, e rituais religiosos, mostrou-se como um grande evangelizador
“Imprimir em cada dia obras eternas.-
Como o sol, iluminar com energia carregada de amor, paz e dedicação
Abraçar a todos que cruzarem seus caminhos
Fazer tudo com amor estejam sempre com Deus”
Eu e minha família tivemos uma benção e um privilégio divino de ter um pai como Vicente Lacativa e uma mãe como dona Nadoa. Junto a um grande homem, existe mulher extraordinária, dócil, resoluta, incansável, e amorosa.
Por André Lacativa