Nadia Urbinati reabilita a hipocrisia como virtude democrática

Autora propõe uma reflexão instigante sobre o papel da hipocrisia na política, na convivência social e na cultura da sinceridade 

Cidade
Guaíra, 21 de novembro de 2025 - 09h36

Em uma era que enaltece a transparência e a autenticidade como virtudes supremas, a filósofa política Nadia Urbinati propõe uma provocação original: e se a hipocrisia, dentro de certos limites, for um componente essencial da vida democrática? Essa é a tese de A hipocrisia virtuosa, lançamento da Editora Unesp, traduzido por Cesar Mortari Barreira.

Urbinati argumenta que uma sociedade sem máscaras seria intolerável. “Uma autenticidade absoluta criaria um ambiente rígido e cruel, transformando a hipocrisia em ferramenta de sobrevivência, não de escolha”, observa. A obra relembra o caso de Galileu, cuja “abjuração foi uma ambiguidade forçada pela necessidade — quando o terror reina, a hipocrisia vira arma”.

Contrapondo-se à visão tradicional da hipocrisia como vício, a autora a redefine como mecanismo de tolerância. Em sociedades plurais, moderar convicções radicais é essencial para manter o diálogo. “A hipocrisia virtuosa é a arte de equilibrar sinceridade e prudência”, defende Urbinati, distinguindo-a da mentira deliberada.

O livro recupera a história do conceito desde a Antiguidade e o reinsere no debate contemporâneo sobre representação política. Na democracia liberal, afirma Urbinati, a “hipocrisia virtuosa” é uma competência necessária: políticos e cidadãos precisam equilibrar sinceridade e prudência para que o espaço público não se torne uma arena de intransigências. Sem defender a mentira ou o engano deliberado, a filósofa distingue a hipocrisia funcional — que preserva a convivência — da falsidade destrutiva. Com isso, A hipocrisia virtuosa transforma um termo moralmente condenado em chave interpretativa para compreender os desafios éticos e políticos de nosso tempo.

“A hipocrisia pode ainda funcionar como vício a serviço da virtude da sociabilidade apenas enquanto sua distinção em relação à mentira se mantiver crível, e, para isso, não basta que essa distinção seja subjetivamente acreditada. As relações materiais e sociais, bem como as normativamente reguladas pelo direito e pela moral, precisam manter entre si certo grau de consonância – ainda que nunca perfeitamente coincidente – para que a hipocrisia permaneça tolerável”, pontua. “Do contrário, mesmo uma ficção aparentemente inofensiva pode converter-se em afronta insuportável. Nesse cenário, a hipocrisia deixa de ser estratégia de convivência civil para tornar-se foco incendiário.”  

Sobre a autora – Nadia Urbinati é professora de teoria política na Columbia University, em Nova York. Colaboradora de diversos jornais, é uma voz respeitada no debate contemporâneo sobre democracia e populismo. Também é autora de Io, il popolo. Come il populismo trasforma la democrazia (2021).  

 


TAGS:

OUTRAS NOTÍCIAS EM Cidade
Ver mais >

RECEBA A NOSSA VERSÃO DIGITAL!

As notícias e informações de Guaíra em seu e-mail
Ao se cadastrar você receberá a versão digital automaticamente