Nada mais divino, sublime, majestoso e sagrado no Brasil do que o seu ordenamento social. Afinal, nossa estratificação, segundo os obtentores do topo da pirâmide social, assim como os da base, seguem os ditames da divindade.
Creem eles que foram abençoados e designados para tal virtuosa colocação social, e que como representantes desta bendita missão agem como templários para sua manutenção; porquanto foram escolhidos, e os não possuidores desta divindade são hereges, indignos.
Astutos, utilizam-se de quatro forças simultâneas deste status corpus: a violência e a brutalidade; a fé e o doutrinamento.
Este sentimento de total crença despossuído de evidências, mas de absoluta confiança na divindade, é sem dúvida a síntese da humanidade em busca de sua imortalidade. Vale lembrar que todas as religiões, sem exceções, baseiam-se na fé para sua perpetuação e manutenção.
No Brasil colonizado pelos portugueses, sob forte influência católica, havia em seus dois desígnios entrelaçados: a empresa colonizadora que gerava lucros à Coroa e o Salvadorismo, que libertava os ”selvagens” do inferno.
A catequização – sob o prisma da fé – estabeleceu o conceito secular de uma ordem social imutável, sagrada e divina.
O próprio sincretismo religioso permitido pelos colonizadores, contribuiu para a fecundidade deste controle social baseado na fé e no cabresteamento de qualquer opinião subversiva à ordem.
Doutrinariamente se consagrou que as diferenças sociais não são ações políticas ou fruto da luta de classes, mas um ordenamento social sagrado, onde não se deve contestar, afinal ”eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim”.
Embutida em nosso DNA a autoridade senhoril, fomos instruídos à domesticação da aceitação inconteste do que nos é estabelecido; obviamente que por meio das mais atrozes brutalidades, que até hoje são marcantes; assim como nossa passividade em não subverter a ordem.
Composta por quatro escalas, a pirâmide social, no seu topo, é representada pela classe dominante articulada em um patronato moderno e extremamente conservador; o grande capital parasitário associado aos patronatos produtivos rurais e urbanos são os patrocinadores das instituições que os locupletam.
A camada intermediária composta pela classe média do funcionalismo público civil e militar, pelos profissionais liberais e pelos médios proprietários de negócios são os anteparos para os interesses dominantes. Conservadora, carrega todo tipo de preconceito e segregação do DNA tupiniquim.
Já a classe subalterna é formada por uma aristocracia operária, empregada nas indústrias ou nos setores de serviços pertencentes a ordem social sagrada; assalariada e periférica é reprodutora dos preconceitos propagados pelas classes intermediárias.
E por fim temos os oprimidos, os marginalizados e os hereges que estão no subemprego ou no desemprego, os despossuídos de cidadania e de qualquer espécie de direito.
Esta é a ordem sagrada imutável, constituída no Brasil desde sua colonização e que segue o desígnio fatal de uma sociedade desigual, com seus abismos de classes.