A saúde mental no ambiente de trabalho e o Setembro Amarelo

Opinião
Guaíra, 26 de setembro de 2025 - 15h53

Milhões de brasileiros enfrentam jornadas exaustivas, pressões excessivas e vínculos cada vez mais frágeis. Os dados recentes confirmam a gravidade da situação. Levantamento feito pela VR, que reúne informações de quase 30 mil empresas e 1,2 milhão de trabalhadores, mostra que os afastamentos por transtornos de saúde mental cresceram, 143% entre janeiro e julho de 2025 em comparação com o mesmo período do ano anterior. Foram 4.819 casos, o que equivale a uma média mensal de 688 afastamentos, contra 283 em 2024. Entre os jovens da geração Z, a ansiedade é a principal causa, enquanto a depressão predomina nas gerações anteriores.

Esse fenômeno não é isolado. Ele reflete uma realidade cotidiana de trabalhadores e trabalhadoras que veem suas vidas serem engolidas pelo trabalho. Antes mesmo do expediente começar, o celular já vibra com mensagens de chefia. O tempo para lazer e convivência desaparece. As metas se tornam inalcançáveis e o clima de desconfiança corrói a cooperação. As consequências são crises de identidade, transtornos como ansiedade e depressão, esgotamento e estresse crônico.

Em 2024, mais de 472 mil brasileiros precisaram se afastar de seus postos por problemas de saúde mental, segundo o Ministério da Previdência Social.

E o Setembro Amarelo, campanha voltada à prevenção do suicídio e à valorização da vida, não pode ser compreendido sem levar em conta o ambiente de trabalho. A precarização das relações de trabalho é um dos elementos centrais dessa crise. Jornadas intensas, contratações fraudulentas (pejotização e uberização), salários insuficientes, insegurança e vínculos frágeis fazem parte de uma lógica que privilegia a redução de custos em detrimento da saúde. O trabalho, que deveria ser fonte de identidade e sustento, torna-se causa de sofrimento e adoecimento.

Importante destacar que, diante desse cenário preocupante, o Direito do Trabalho vem incorporando respostas importantes. No fim de 2023, a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho passou a incluir ansiedade, burnout, depressão e até tentativa de suicídio. Na prática, o reconhecimento assegura que o trabalhador afastado por mais de 15 dias em razão dessas condições tenha direito a estabilidade no emprego por 12 meses após o retorno, conforme previsto na Lei 8.213/1991. Além disso, a Norma Regulamentadora nº 1, atualizada em 2025, exige que empresas passem a identificar e prevenir riscos psicossociais em seus Programas de Gerenciamento de Riscos, como já fazem com riscos físicos, químicos e biológicos. Trata-se de um avanço jurídico que obriga empregadores a enfrentar fatores subjetivos, como assédio moral, excesso de pressão e ausência de reconhecimento.

A Justiça do Trabalho também tem sido palco desse debate. Após o Supremo Tribunal Federal derrubar em 2021 a regra da reforma trabalhista que impunha custas até a trabalhadores de baixa renda que perdiam ações, houve uma retomada no número de processos. A judicialização, sobretudo no setor de serviços, revela não apenas maior acesso à Justiça, mas também a dificuldade das empresas em adotar práticas preventivas. Muitas ainda preferem lidar com o problema apenas quando ele explode em forma de litígio.

A urgência é evidente. Se o trabalho está se tornando causa de afastamento, o problema não pode ser resolvido apenas com psicoterapia ou medicação, mas com melhores condições laborais. Reduzir jornadas, combater práticas abusivas e garantir segurança e propósito são medidas indispensáveis. Campanhas como o Setembro Amarelo e o Abril Verde cumprem um papel relevante ao iluminar o debate, mas é no dia a dia das empresas, na fiscalização do Estado e nas decisões do Judiciário que se definirá se o trabalho será fonte de vida ou de adoecimento.

O desafio jurídico e social é reconstruir um mundo do trabalho que valorize a saúde mental como um direito fundamental. Mais do que uma questão de compliance ou de reputação, trata-se de uma exigência legal, ética e humana.

*Carla Felgueiras é advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Montenegro Castelo Advogados Associados


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Carla Felgueiras é advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Montenegro Castelo Advogados Associados

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