COVID-19 pode afetar o cérebro? Certezas e Incertezas

Opinião
Guaíra, 6 de abril de 2020 - 23h08

O sintoma mais característico dos pacientes com COVID-19 é o desconforto respiratório. Casos mais graves, quando pacientes não conseguem respirar espontaneamente, há necessidade de terapia intensiva. Alguns pacientes com COVID-19 apresentaram sinais neurológicos, como dor de cabeça, náusea e vômito. Evidências crescentes mostram que os coronavírus nem sempre estão confinados ao trato respiratório e que também podem invadir o sistema nervoso central, induzindo doenças neurológicas.

Em Detroit, Michigan – Hospital Henry Ford, foi relatado um caso de encefalopatia hemorrágica necrosante aguda (ANE) associada ao COVID-19. Uma mulher de 58 anos com histórico de 3 dias de febre, tosse e dores musculares (sintomas consistentes com diagnóstico de COVID-19) apresentou sinais de confusão mental, letargia e desorientação. Os exames apontaram negativo para influenza e, positivo para SARS-CoV2 (vírus que causa o COVID-19). Mais tarde, a paciente foi submetida à ressonância magnética do cérebro, a qual apontou aumento na borda hemorrágica nos tálamos bilaterais, lobos temporais mediais e regiões subinsulares, sendo diagnosticada com encefalopatia necrosante hemorrágica aguda (ANE), complicação rara associada a uma ‘cascata de citocinas’ intracranianas.

Recente relatório publicado na revista Lancet sugeriu que um subgrupo de pacientes com COVID-19 grave poderia apresentar essa ‘cascata de citocinas’. As citocinas são um grupo de proteínas, peptídeos ou glicoproteínas secretadas por células específicas do sistema imunológico e que tem a função de transmitir sinais de uma célula para outra, alterando o comportamento celular de várias maneiras, de forma a regular a resposta imune do corpo a uma ameaça em potencial – que pode ser um patógeno, como vírus, bactéria ou parasita ou toxina.

Apesar dos resultados, por se tratar de um único caso, acreditamos que ainda é prematuro dizer que a ANE foi causada pela infecção por COVID-19.

Na China, uma equipe médica do Hospital Ditan de Beijing, afiliado à Universidade Médica da Capital conduziu o seqüenciamento genético das amostras de líquido cefalorraquidiano de um paciente do sexo masculino diagnosticando com a doença do novo coronavírus (COVID-19). O paciente apresentava, cujo líquido cefalorraquidiano tinha o vírus apresentava encefalite, uma inflamação do cérebro. Os resultados das análises indicam que o COVID-19 pode causar danos ao sistema nervoso central. O paciente quando internado na unidade de terapia intensiva (UTI) apresentou sintomas associados à diminuição da consciência, embora não houvesse sinais anormais nas imagens de tomografia computadorizada (TC). Tais sintomas neurológicos desapareceram gradualmente após o tratamento da encefalite viral.

Dessa forma, é importante observar que pacientes que apresentem distúrbios neurológicos, especialmente acometimento de consciência, a equipe médica deve investigar a possibilidade de infecções do sistema nervoso e realizar os testes de líquido cefalorraquidiano oportunamente, para evitar atrasos de diagnóstico e reduzir a taxa de mortalidade de pacientes críticos.

Também é importante ressaltar que, a partir de observações post mortem em humanos e, experimentos com animais com outras variantes do coronavírus,  Matthew Anderson, neuropatologista do Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston e Stanley Perlman,  da Universidade de Iowa, constataram que os coronavírus podem chegar ao sistema nervoso antes mesmo de atingir o pulmão. Isso ocorreria por via intranasal, quando, a caminho dos pulmões, os vírus seriam internalizados pelos filetes nervosos que inervam a mucosa olfatória e respiratória.

Já dentro das fibras nervosas, os vírus passam de um neurônio a outro pelas sinapses e, dessa forma, conduzidos rapidamente em direção ao cérebro, justamente para regiões-chaves do controle cardiorrespiratório (Tronco Encefálico), encarregadas da monitoração e comando dos músculos e vasos sanguíneos que mantêm no nível certo a função do coração e dos pulmões.

Apesar de variedades anteriores do coronavírus não acarretarem problemas como meningite foi observado que, o surto da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) no início dos anos 2000, infectou o sistema nervoso de algumas pessoas que contraíram a doença. A partir disso, é forte a hipótese de que o COVID-19, assim como a SARS, em casos graves pode infectar a parte do cérebro que controla a respiração e leva à insuficiência respiratória.

A infecção pelo SARS-CoV foi relatada no cérebro de pacientes e animais experimentais, onde o tronco cerebral estava fortemente infectado. Além disso, demonstrou-se que alguns coronavírus se espalham por meio de uma rota conectada à sinapse para o centro cardiorrespiratório medular a partir dos mecanorreceptores e quimiorreceptores no pulmão e nas vias aéreas respiratórias inferiores. Considerando a alta similaridade entre SARS-CoV e SARS-CoV2, resta esclarecer se a possível invasão do SARS-CoV2 é parcialmente responsável pela insuficiência respiratória aguda de pacientes com COVID-19.

Mas, a questão “até que ponto o SARS-CoV-2 também infecta o cérebro” ainda não está respondida. Também é importante ressaltar que não há evidências de que, quando se contrai COVID-19, há efeitos duradouros no sistema nervoso ou, se de fato, ele infecta o sistema nervoso.  Em função disso, novas pesquisas devem ser realizadas e, os casos nos quais os pacientes apresentam alterações neurológicas devem ser cuidadosamente acompanhados.


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Edvaldo Soares

Edvaldo Soares

Laboratório de Neurociência Cognitiva – LaNeC

Unesp – Marília SP

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