Crônica da barbárie

Opinião
Guaíra, 28 de março de 2018 - 09h34

Por Gaudêncio Torquato

Vivemos tempos bárbaros. A face de um Brasil violento se escancara, a partir do mais bonito cartão postal das cidades brasileiras, o Rio de Janeiro, onde, a cada dia, jorra sangue de corpos assassinados na guerra travada entre as forças de segurança e a bandidagem. Manchetes sobre a tragédia carioca ganharam o mundo com o assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL, e de seu motorista Anderson, vítimas de milícias que se instalaram nas comunidades.

Os números da violência espantam: registram-se mais de 60 mil assassinatos por ano no Brasil, número que supera em quase 15 mil a soma dos assassinatos na Europa inteira, Estados Unidos e China, essa com uma população quase cinco vezes maior. Ou seja, no espaço de uma hora, 7 cidadãos estão tombando, vítimas da bandidagem.

Com a prevenção e a repressão se instalando no Sudeste, as gangues fogem para outras regiões, particularmente o Nordeste, onde cidades passam a respirar um clima de medo. No contraponto, vergonhoso registro: policiais com proventos atrasados e em greve, equipamentos sucateados, ruas sem segurança e a violência se espraiando. Como se pode perceber, é um montante maior do que as vítimas fatais das guerras modernas. Outro aspecto a se considerar é o empobrecimento do país. O rombo da Previdência, por exemplo, tem a ver com o cano assassino que mata, aleija multidões, alarga a fila nos hospitais, multiplica as pensões de viúvas, devastando parcela ponderável do PIB, dinheiro que poderia estar sendo investido em hospitais, escolas, casas, transportes e agricultura.

Mas a barbárie também possui outras facetas. Uma delas é a dos privilégios. Em tempos de escassez, é inadmissível que categorias profissionais defendam com unhas e dentes privilégios e vantagens, que acabam se incorporando aos seus salários, alargando oceanicamente a distância entre os milhões de brasileiros que vivem com um salário mínimo e as castas que juntam mensalmente 30, 40, 50 mil ou mais de proventos, uma montanha acrescida com subvenções para auxílio-moradia, auxílio-paletó, auxílio-transporte, auxílio-comida, auxílio-livro coisas desse tipo.

A barbaridade sobe os pedestais. Veja-se o que ocorreu nesta quinta-feira no sagrado altar da nossa mais elevada Corte Judicial. Era o dia do julgamento do Habeas Corpus encaminhado pela defesa do ex-presidente Lula. Mais de quatro horas de exposições e debates, com os ministros expressando densos argumentos sobre a admissibilidade de aceitação do HC, ainda não seu mérito. Decide-se por maioria pelo acolhimento e, ainda, por solicitação do advogado de defesa, acolhe-se uma liminar para que Lula não possa ser preso até o dia 4 de abril, data de julgamento do HC. Blindagem contra eventual posição do TFR-4, a ser tomada dia 26 de abril, quando deverá julgar os embargos de declaração interpostos naquela corte pela defesa de lula. Se não forem aceitos, presume-se que o corpo de juízes mande prender Lula face à condenação já ocorrida.

A barbaridade vem agora. Um ministro do STF avisa que irá viajar. A sessão, que poderia ter continuado, foi suspensa por cansaço de Suas Excelências. E na Semana Santa, os ministros se darão um tempinho de lazer. É fato que alguns tentaram manter o andamento do julgamento, mas outros alegaram cansaço. O HC tem prioridade ou as conveniências pessoais têm prevalência? A imagem do STF, já desgastada por querelas pessoais, acaba esmaecida.


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Gaudêncio Torquato

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação

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