É precária a hipótese de que a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sérgio Moro a 9 anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro o transforma em um “morto político” e, por conseguinte, sem condições de ajudar o PT a resgatar sua força no espectro do poder. Erram aqueles que apostam nessa visão. Como o Brasil não fez a tão clamada reforma para mudar padrões, a política continuará a ser realizada com velhas receitas, onde entram condimentos como mistificação das massas, cooptação eleitoral à base da pecúnia, regras que amparam a existência de legendas sem doutrina, entre outras mazelas. Sob essa armação, Luiz Inácio continuará a ser um exímio influenciador de corações e mentes.
Lula, portanto, não estará alijado do processo político-partidário-eleitoral como alguns pensam. Há, até, outras razões que contribuem para lapidar seu perfil de protagonista de primeira linha: detém (ainda) forte dose de carisma, sendo o líder mais populista do país; possui alta visibilidade; domina bem a expressão de palanque; é capaz de mobilizar largos contingentes; e o PT, ao contrário de outros partidos, abriga aguerrida militância. Por todos esses aspectos, a vida política de Lula não se encerra com a condenação do juiz Moro. Tentemos desenvolver pontos dessa abordagem, a começar com o processo de vitimização em que se envolverá.
Como é sabido, antes do julgamento de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (RS, SC e PR), Luiz Inácio correrá o território, a partir do Nordeste, onde detém grande popularidade. (A 2ª Instância costuma apreciar os casos que chegam a ele no prazo médio de um ano). A estratégia de mobilização centrípeta – das margens para os centros – tem o intuito de expandir o discurso de que as elites, a partir do Poder Judiciário, querem inviabilizar sua candidatura nas eleições de 2018. O eleitorado das regiões menos desenvolvidas tende a se solidarizar com seus ídolos, principalmente quando estes vestem o manto de perseguidos de poderosos. O discurso separatista do “nós” contra “eles”, tão do gosto do lulopetismo, voltará a regar as searas carentes.
JUNTANDO AS OPOSIÇÕES – A locomoção de Lula pelo país terá o objetivo de ressuscitar a imagem do PT, combalido pela crise política e alvo de escândalos de corrupção desde o mensalão; voltar a ser o “pai dos pobres”, recolocado no altar das massas; arrumar a militância desordenada e preparar o caminho dos eleitores em direção às urnas. Se for condenado e tiver a candidatura impedida, por volta de julho/agosto de 2018, suas andanças não perderão eficácia. Terão o condão de ajudar perfis próximos ao lulismo, ao mesmo tempo em que poderá ser o construtor e fiador de candidatura única das oposições.
Torna-se patente a estratégia lulista de mexer no caldeirão político. A condenação expandirá sua visibilidade e, como é previsível, alargará a fogueira com imensas camadas de lenha. O clima político ajudará a expandir as tensões, eis que todos os partidos, incluindo os que exibem a ética como seu símbolo, contabilizam participantes no gigantesco bornal de receptores de recursos de empresas. O nivelamento dos entes partidários praticamente os deixa na fila dos pecadores ante o confessionário dos caixas eleitorais. Ali, não há inocentes.
Ao lado da eventual alavancagem do petismo sob a fala rouca de Lula, é oportuno registrar previsível contraponto a ser formado por ondas de ódio e indignação com origem no centro da sociedade. O ex-presidente é marcado, hoje, com a mais alta taxa de rejeição na esfera de candidaturas a pleitos majoritários: beira 60% em regiões como o Sudeste. Pois bem, a expansão das ondas de contrariedade ao lulismo está à vista. O efeito desse fenômeno, como temos sempre lembrado, reside na formação de marolas no meio do lago, a serem empurradas para as lonjuras das margens por tubas de ressonância das classes médias. Quer dizer, a rejeição a Lula deverá crescer no meio da pirâmide social, devendo chegar à base, às classes marginalizadas. A eventual puxada para cima dos índices de Lula nos fundões do país corresponderá aumento de rejeição.
O FOGUETEIRO – Esses cenários seriam totalmente previsíveis caso não fôssemos visitados pelo Senhor Imponderável, que, vez ou outra, nos visita, fazendo-se acompanhar de fatos inusitados e eventos surpreendentes. Vivenciamos momentos de elevada tensão na esteira do julgamento pela Câmara da admissibilidade da denúncia contra o presidente da República. O processo tende a se alongar pelos próximos meses. Seja qual for o desfecho, não se descortina clima ameno na arena política, porquanto delações e investigações, sob a égide da Operação Lava Jato, haverão de deixar a fogueira muito acesa.
Resta aduzir que, confirmada a condenação na 2ª instância, Lula deverá ser recolhido. Preso, agitará a militância, não se descartando mobilizações de rua que deixarão a paisagem pré-eleitoral tomada por emoção e conflitos. Absolvido, será candidato do PT, com possibilidade de se tornar o candidato único das oposições, que se juntariam para enfrentar outras candidaturas, como a de direita, de Jair Bolsonaro, e a de centro (com engajamento de partidos e grupos à esquerda e à direita), e grande possibilidade de ser preenchida com um quadro do PSDB. Será o maior teste de nossa democracia, eis que estamos no limiar de uma era pronta para acolher o ideario republicano: ética, transparência, sobriedade, verdade, compromisso.
Firmar-se-á a crença de que o Brasil deverá finalizar o trabalho de assepsia nos vãos da política, com a mudança de regras e instalação de novas cores no desenho institucional. A nova ordem poderia, até, abrigar o parlamentarismo, cujo vértice estaria apoiado em uma estrutura partidária enxuta e com entes capazes de fazer adequada representação do pensamento nacional. Afinal, o presidencialismo de cunho imperial mostra-se esgotado. Seria a hora de o país se guiar por nova bússola.