O papa Francisco, recentemente falecido, há dez anos, somou sua voz à reivindicação do povo armênio, qualificando o massacre sofrido pelos seus antepassados como primeiro genocídio do século XX.
Durante a I Guerra Mundial, o governo turco perpetrou uma política de extermínio, que levou à matança de 1,5 milhão de armênios, fato que segue ignorado por muitas nações, sobretudo por razões de ordem política e econômica, notadamente por aquelas que têm interesses ou mantém relações comerciais com a Turquia.
Transcorrido exatos cento e dez anos, desde o domingo vermelho, naquele 24 de abril de 1915, quando teve início a chacina, há ainda hoje por parte do governo turco uma forte objurgação em relação aos que admitem a limpeza étnica cometida contra os armênios.
Aqueles que sinalizaram pelo reconhecimento, ou boa parte daqueles que o fizeram, enfrentaram um esfriamento das relações com os turcos.
Para milhões de armênios e descendentes espalhados pelo mundo, o negacionismo é a perpetuação do genocídio. A inaceitabilidade desse terrível crime contra a humanidade, pode ter resultado, de certa forma, outros acontecimentos similares ou ainda de maior proporção verificados mais adiante no transcurso do século XX, e encetados talvez em razão de uma insensata suposição de impunidade. O próprio Adolf Hitler justificou o extermínio de milhões de judeus, indagando: “Afinal quem se lembra dos armênios?”.
O sarcasmo da frase consistia em argumentar que as atrocidades se reduzem à insignificância quando caem no esquecimento. Contudo, o holocausto armênio é um fato amplamente embasado em documentação histórica, que comprova a debiliberada e planejada operação de erradicação de um grupo étnico, friamente colocado em prática, entre os anos de 1915 e 1917.
A partir de 1908, o Império Otomano passou a ser governado por um grupo radical-nacionalista, denominado os jovens turcos, que acabou por inserir a Turquia na I Grande Guerra contra a Rússia czarista e seus aliados. O território armênio, região montanhosa da Ásia ocidental, durante muito tempo, reino independente, encontrava-se, à época, dividido entre a Rússia e a Turquia. Em alguma medida, os armênios eram mais favoráveis aos beligerantes russos e foram vistos como uma quinta coluna pelos turcos, ou seja, inimigos dentro do próprio país. Soma-se a isso o fato dos armênios se constituírem em minoria étnica, eram eles cristãos em uma região onde a maior parte da população processava a fé islâmica.
Muitos armênios eram também ricos mercadores e ocupavam terras que estavam situadas em região de interesse do governo turco. Passou esse último a expulsar os armênios da Anatólia, confiscar os seus bens, expatriá-los ou forçá-los a caminhar pelas “marchas da morte” por todo o deserto da Síria, e longe dos olhos da população turca, que não aceitaria a ferocidade dos atos cometidos, lhes impuseram várias outras formas de violação massiva, tortura, estupros em massa, crucificações, empilhamento de crianças queimadas vivas, deportações em trens semelhantes às promovidas pelos nazistas anos mais tarde, com várias dessas atrocidades registradas em fotografias e jornais.
Hoje a Armênia compreende apenas uma pequena área de seu território original, já que parcela expressiva de suas terras, sobretudo as tomadas pela Turquia, jamais foram devolvidas. Mesmo o Monte Ararate – onde, segundo o livro de Gênesis, a arca do patriarca Noé teria aportado após o dilúvio – encontra-se ainda sujeito ao domínio turco, e é ele um dos símbolos máximos do irredentismo armênio, que indica sua mais forte aspiração de anexação das regiões que lhe foram arrebatadas, de modo a completar sua unidade nacional.
A lição deixada pelo genocídio armênio é que a humanidade deve necessariamente olhar para a História, de modo a aprender com os erros do passado, em vez de simplesmente negá-los ou ocultá-los e obstinadamente seguir recusando admiti-los.
Marcelo Borba de Freitas, é historiador