Na tarde de sexta-feira, 24, uma turbulenta sessão extraordinária da Câmara Municipal colocou em votação o projeto 33/2020 do Executivo municipal, que autorizaria o governo a alienar a antiga área do conjunto esportivo Vicente Lacativa, conhecido como terreno das “302 casas”. Porém não obteve maioria dos votos, sendo rejeitado.
A intenção da prefeitura era, através de processo licitatório (leilão), vender o espaço pelo maior preço oferecido por uma empresa e esta deveria utilizá-lo, exclusivamente, para a construção de unidades habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida.
Mas, no dia da votação, os vereadores de oposição pediram adiamento, por 20 dias, para analisar o documento, o que foi recusado pela bancada que apoia o prefeito. Dessa maneira, quatro parlamentares, Ana Beatriz Coscrato Junqueira, José Mendonça, Maria Adriana Gomes e Moacir João Gregório votaram contra.
Para o presidente da Câmara, José Reinaldo dos Santos Junior, infelizmente a população perde com isso. “Importante salientar que todos os programas de casa, para mim, são importantes, indistintamente. Temos que trabalhar para todos os programas acontecerem na nossa cidade. Infelizmente, quem perde com isso é sempre o cidadão. Tudo isso é importante para o morador da nossa cidade. Penso que era o momento de modernizarmos e mostrar que a prefeitura e seus agentes públicos estão atualizados com a legislação. Tudo isso demonstra que ainda estamos errando na condução da gestão pública municipal. Era um projeto moderno, atual, onde estaríamos dando oportunidade de se criar um círculo de construção de casas na nossa cidade. Licita-se essa área, esse valor volta para os cofres da prefeitura, que compraria outra área e naturalmente essa sequencia ia continuando,diminuindo o déficit habitacional da nossa cidade.Nenhum prefeito vai poder mexer naquela área sem alienar e era isso o que era o atual prefeito estava pedindo”, disse.
Quem votou contra
Os vereadores justificaram seus votos negativos. Segundo Ana Beatriz Coscrato Junqueira, não havia necessidade de tanta pressa para a votação. “Um projeto desta envergadura ser votado a toque de caixa, sem nenhum tipo de discussão, diálogo com a população, é uma falta de respeito com o Poder Legislativo e, principalmente, com a população, que não foi chamada para opinar. Querem, a todo custo, criar uma cortina de fumaça diante da falta de ação nos últimos três anos em uma tentativa clara de gerar expectativa com finalidade eleitoral”, afirmou Dra. Bia Junqueira.
Para ela, a atual administração teve três anos para enviar o documento à Câmara e acabou enviando em cima da hora, em regime de urgência, em sessão extraordinária.“Não concederam para os vereadores que não fazem parte da base do prefeito 20 dias para melhor analisar o projeto. Existem vários questionamentos em relação a área e a modalidade escolhida, que é um leilão de área pública. Não concederam este direito, apesar que ficaram quase 4 anos para enviar este projeto. O absurdo é você vender para o particular a preço ínfimo e depois repassar para a população a um preço alto. Estamos questionando a área que fica próxima de uma lagoa de dejetos. O prefeito disse que em 40 dias ele vai retirar a lagoa, mas a ETE não está pronta. Porque não deram maior tempo para discutirmos este projeto com a população? É um governo autoritário e ultrapassado que quer colocar tudo goela abaixo. O princípio de um governo errado é não ouvir o povo, não respeitar seus representantes e querer se perpetuar no poder a todo custo”, encerrou.
Maria Adriana ressaltou que sempre foi favorável ao diálogo com a comunidade e que o adiamento seria a melhor opção. “Somos representantes dos cidadãos e em uma democracia o povo deve participar. Pedimos 20 dias para analisar melhor o projeto, mas o adiamento foi rejeitado, nos retirando este direito. Precisam entender que estamos em um país democrático, onde as pessoas possuem direito de tirar dúvidas e de votar com consciência. Um projeto com este propósito, que trata de patrimônio público, deveria ao menos ser aberto um diálogo com toda a sociedade. Tiveram quase 4 anos para enviar e agora querem correr contra o tempo para esconder sua incompetência em executar um programa habitacional que atenda a comunidade ”, frisou. “Em primeiro lugar, eu votei contra porque não concederam o direito dos vereadores de analisar e discutir melhor o projeto. Um projeto que trata de uma alienação de área para uma empresa construir casas deve ser mais bem debatido, justamente para que não pairem dúvidas na população que estamos entregando de mão beijada um patrimônio público para a iniciativa privada. Percebi que existia uma tentativa de criar uma situação, gerar uma falsa expectativa na população. Os cidadãos precisam ficar atentos que o atual governo começou, no final do mandato, a se mobilizar para vender falsa ilusão para o pai de família. Eu defendo casa popular, mas que também tenha um olhar para aquelas famílias que estão em situação de vulnerabilidade e que não são atendidas pelos programas como o Minha Casa Minha Vida, pois não possuem carteira assinada e renda para pagar um financiamento de uma casa de R$ 140 mil. Este governo não pensa nestas famílias, muito pelo contrário vende promessas com cunho eleitoral e demonstrar ser antidemocrático quando cerceia nosso direito de debater um projeto tão importante”, continuou Gomes.
José Mendonça, que se diz neutro quanto a partidos e posições, destacou que solicitou o adiamento da votação, porque um documento dessa natureza não pode ser aprovado do “dia para noite”. “Tenho que ter responsabilidade, ainda mais em se tratando de um leilão de patrimônio público. Solicitamos adiamentos, mas não fomos atendidos”, comentou ele, adicionando que não é contra casas populares. “Tanto que apresentei uma indicação sugerindo a criação de um programa de lotes urbanizados para atender justamente famílias de baixa renda. Esta indicação foi engavetada durante os quatro anos e existem muitas cidades que já colocam em prática. Como disse, era preciso um maior debate sobre este projeto que pode ter legalidade, mas esbarra em alguns fatores que devemos levar em consideração. Como leiloar uma área pública para uma empresa, sendo que esta área encontra-se a menos de 500 metros de uma lagoa de estabilização que ainda não foi desativada e existe lei municipal de minha autoria que impede esta construção? Eu estaria indo contra uma legislação municipal. Voto com minha consciência, não sou candidato a nada e defendo o que é certo, o que é justo para o nosso município. Guaíra que possui um orçamento rico, precisa de maior planejamento do uso dos seus recursos, para sim colocar em prática um programa habitacional com aquisição de novas áreas longe de lagoas de estabilização e que atendam as necessidades da nossa população”, finalizou José Mendonça.
Moacir Gregório demonstrou que acredita ser estranho um projeto dessa importância ser protocolado em um dia e já votado no outro. “Onde está o diálogo com os vereadores e a população? Não posso ser irresponsável. Queria mais tempo para analisar, tirar dúvidas, mas formos cerceados. Ficou claro que o prefeito corre contra o tempo para tentar enganar e gerar expectativa em nossa população em período eleitoral”, expôs. “Quero deixar bem claro que não sou contra casas populares, mas sou contra qualquer tipo de jogada política para tentar enganar a população. O prefeito teve quase quatro anos para pensar em casas populares e agora, aos 45 minutos do segundo tempo, quer criar expectativa na população. Não poderia votar um projeto desta envergadura sem analisar, eu seria irresponsável. Um governo que ainda não fez a lição de casa, não terminou a estação de tratamento e entregou chaves virtuais para o povo, não tem crédito para aprovar um projeto do dia para a noite, sem um diálogo, sem um debate mais aprofundado. Este terreno não é privado, é público e temos que ter responsabilidade. É muita enganação, é muita jogada política. É vender o que é do povo para o particular, para que o particular venda para o povo com um preço alto. Querem fazer sangrar o cidadão e não dão oportunidade para quem realmente precisa de uma moradia. Estão tentando ensaiar uma jogada eleitoral, enganar a nossa população e isto não posso aceitar. Prefeito, faça primeiro a lição de casa, termine a Estação de Tratamento de Esgoto que já dura 8 anos e pare de tentar enganar o cidadão com falsas expectativas”, completou Moacir.
Quem votou a favor
Segundo o vereador Jorge Domingos, o documento estava revestido de legalidade. “É o processo natural para a construção de casas, seja pela Caixa Federal, pela COHAB ou CDHU. O município entra com uma parte e as empresas com outra, facilitando assim o acesso da comunidade a um programa habitacional. Lamento profundamente que quatro vereadores tenham politizado um assunto tão importante, votando contra um projeto desta importância, que trata diretamente do futuro e vida de muitas pessoas. Eu que tenho uma história política onde sempre defendi a construção e casas, não poderia fugir desta responsabilidade. O prefeito José Eduardo sempre se mostrou responsável, coerente e perdemos a oportunidade de dar a ele o direito de direcionar o futuro de nosso município a área habitacional. Quem perde neste processo todo não é a classe política, mas sim aquele pai de família que sonha com uma casa própria para abrigar sua família”, apontou.
Para Edvaldo Morais, este projeto concretizaria um outro antigo, feito pela gestão do ex-prefeito Sérgio de Mello. “Por meio de leilão, essa área seria vendida pelo maior lance possível, sendo o valor mínimo o constante da avaliação que estava junto do Projeto de Lei, que era de mais de R$ 1.900.000,00. A empresa vencedora do leilão tem de ser cadastrada no projeto minha casa minha vida e atender todas as condições do programa, que subsidia com verba do Governo Federal a construção de casas para a população de baixa renda.Esse projeto era revolucionário porque não visava a simples doação da área, como é comum nos projetos do CDHU, mas sim visava buscar uma empresa privada que daria o maior lance na área, e com o valor arrecadado com a venda seria possível a compra de um novo terreno pela Prefeitura para a construção de mais casas. Ficamos muito tristes com a rejeição, já que ele só poderá voltar no próximo ano, e agora o projeto de habitação está paralisado. Era para pessoas de baixa renda e dói no coração um vereador de oposição dizer que é a favor de casa para a população carente, mas votar contra o sonho que hoje é de muitos guairense.”
O Jornal O Guaíra entrou em contato com o restante dos parlamentares, mas até o fechamento dessa edição não havia obtido resposta.
Lado da prefeitura
Em nota, a prefeitura afirma que “não tem muito a dizer a respeito dos votos contrários de quatro vereadores que inviabilizaram a construção de mais 302 casas populares para os guairenses”. A atual administração declara que: “no cumprimento de seu dever pelo desenvolvimento e pela justiça social, apresentou inovador projeto habitacional que traria uma série de benefícios aos guairenses. Além de 302 novas unidades habitacionais e também além das 232 que já foram sorteadas, o novo conjunto ‘barrado’ pela lamentável decisão de quatro vereadores, iria iniciar uma nova era de desenvolvimento sustentável. É, sobretudo, triste ver que decisões que impactam na vida de centenas de pessoas possam ser guiadas pelo calor e pela insensatez de uma disputa política que ainda nem começou. O Governo José Eduardo continuará a governar certo, sempre. Apesar de quem insiste no caminho errado”.
Projeto da antiga gestão
A iniciativa de viabilizar mais de 300 moradias na antiga área do conjunto esportivo Vicente Lacativa surgiu na gestão do ex-prefeito Sérgio de Mello. “Os estudos de viabilidade e projetos iniciais foram concebidos por minha administração entre 2015 e 2016, tanto que em conversa realizada na Casa de Cultura com as filhas Katia e Izildinha Lacativa, informei sobre o projeto e a decisão de homenagear o saudoso Sr. Vicente Lacativa dando seu nome para o conjunto habitacional que previa a construção de 363 casas populares pelo programa Minha Casa Minha Vida do governo federal.”
Porém, Sérgio aponta que em 2016, obtida a licença prévia de instalação junto à Cetesb, foi dado entrada no empreendimento para aprovação no Graprohab e publicado edital de Chamamento Público para licitação da área para empresas interessadas, mas houve impasse. “Meus opositores ingressaram com representação no Tribunal de Contas que suspendeu o certame, inviabilizando a conclusão do processo durante o meu governo. Pena que deixaram para retomar o projeto só agora, alterando com redução para 302 unidades, de forma apressada às vésperas das eleições.”