
Em linhas gerais, a série visita a saga de Sandman, um dos sete perpétuos, que são entidades divinas antropomórficas. Os sete são irmãos, já que descendem de duas entidades maiores, a Noite e o Tempo, e controlam sete elementos da vida humana. Seus nomes, no original, começam sempre com D: Sonho (Dream), Desejo (Desire), Morte (Death), Destino (Destiny), Destruição (Destruction), Desespero (Despair) e Delírio (Delirium).
Claro está que Sandman não é uma série de ação – ao menos não de forma simples. Muito menos se trata de uma série de super-heróis, tais como tantas em voga atualmente (embora Sandman seja um produto da DC Comics, o que traz a possibilidade de vários outros desdobramentos da franquia). Os personagens trazidos aqui são todos densos, falhos, ainda que capazes de revelar muito conhecimento a partir do que puderam contemplar.
O que Neil Gaiman faz (com talento magistral) é adentrar no universo da mitologia – ou melhor, das várias mitologias que o homem foi capaz de criar e que até hoje o auxiliam a habitar o mundo. Quem viu Deuses Americanos, do Amazon Prime Video, também escrita por Gaiman, sabe que esta é a seara em que o autor transita brilhantemente.
Contudo, Sandman se centraliza em uma menor quantidade de mitos, e a história está mais interessada em revelar o que todos estes elementos, oriundos da ordem do incompreensível (como a morte, o sonho, o desespero, o desejo), nos fazem compreender sobre o que há no humano que, de alguma maneira, é próximo do divino.
Um dos aspectos mais interessantes da série da Netflix é ver o quanto Sandman nem sempre parece entender os corações dos reles mortais. Por um lado, cada confronto que ele tem – por exemplo, com Lúcifer (vivida por Gwendoline Christie, de Game of Thrones, com quem batalha em uma inspirada rodada que poderia ter saído de um RPG) ou com o desgraçado John Dee (papel interpretado pelo respeitado ator britânico David Thewlis), que roubou seu rubi – é uma oportunidade única para que Sandman teça comentários marcantes sobre a essência humana.
Em outro aspecto, Sandman está sempre se surpreendendo (e se emocionando) com aquilo que vai descobrindo em seu caminho. Preste atenção no encontro que tem com Hob Gadling (Ferdinand Kingsley), a quem ele concedeu o sonho da vida eterna como uma forma de provar que deixar de morrer é mais uma maldição do que uma benção.
Um saldo da primeira temporada de Sandman
Em resumo, a primeira temporada de Sandman se encerra com saldo muito positivo, cumprindo com louvor a expectativa que foi criada em torno desta adaptação. Sua estrutura é criada de maneira a cruzar tantos episódios de sequência cronológica, acompanhando a saga de Sandman, quanto alguns específicos que servem para construir outros personagens e nos situar dentro deste universo onírico, tão encantador quanto sombrio.
Alguns episódios, aliás, beiram o sublime. Destaco especialmente o quinto, que se passa dentro de um restaurante de manhã até a noite, e mostram um experimento macabro feito por John Dee, um dos personagens mais perturbadores da série; e o sexto, em que a adorável Morte cruza finalmente com a trama.

