TEMPOS DIFÍCEIS GERAM HOMENS FORTES!

Cidade
Guaíra, 18 de maio de 2023 - 07h00

 O produtor rural guairense Francisco Massayoshi Muraishi é um grande estudioso do manejo da terra e tornou-se uma referência de produtividade. Sua trajetória de vida, onde passou por tempos difíceis, mas com experiência e disciplina inspiram as novas gerações de homens e mulheres do campo

Francisco Massayoshi Muraishi, é filho do casal de japoneses Kentaro Muraishi e Kie Tanaka Muraishi. Os pais vieram do Japão, no navio Hataka Maru e no estado de São Paulo fizeram a primeira parada no município de Igarapava (SP), onde nasceram os 9 filhos.

Desde que chegaram no Brasil, a família trabalhou com a lavoura, como funcionários. Em 1948, em busca de novas oportunidades, mudaram-se para Guaíra, município paulista que faz divisa com o estado de Minas Gerais e é cercado por três rios: Grande, Sapucaí e Pardo. “Quando decidimos ir para Guaíra, a ponte do rio Sapucaí ainda era de madeira. Tínhamos que descer do caminhão e seguir a pé”, relembra Muraishi.

Guaíra que ainda era um município em crescimento, já demonstrava terra rica, propícia para a produção agrícola. E, com a força do trabalho dos filhos, o casal Kentaro e Kie participaram ativamente do início do desenvolvimento agrícola da região.

Com muito trabalho, quatro anos depois, em 1952, a família arrendou seu primeiro pedaço de terra. Uma área de 12 alqueires, onde plantaram algodão, em uma década em que o município já começava a se tornar uma potência na produção de algodão, que mais tarde lhe renderia o apelido de “Capital do Ouro Branco”, com uma das maiores áreas plantadas do país.

Francisco Muraishi lembra que naquela época, circulava dinheiro na cidade porque era necessário mão de obra para a colheita do algodão. As filas de caminhões nas algodoeiras eram enormes e em algumas ocasiões era preciso recorrer a outros municípios como Guará, Ituverava e Ribeirão Preto para descarregar a produção guairense. Trabalhadores que colhiam algodão compravam e construíam casas nas vilas e os produtores rurais, ampliavam suas áreas, adquirindo fazendas.

Em 1964, a família Muraishi adquiriu sua primeira área produtiva, um total de 50 alqueires, dos descendentes do primeiro prefeito de Guaíra, Enoch Garcia Leal. Já naquela época, a determinação, o planejamento e principalmente os cuidados que tinham com a terra e o plantio até a colheita, fizeram com que seus bens ultrapassassem divisas, comprando novas áreas de terra também no município de Morro Agudo (SP).

E esta luta diária no campo, não era por paixão. “Não é paixão, é necessidade. Não sabemos fazer outra coisa a não ser lidar com a agricultura. No comércio tinham poucos japoneses, pois a nossa tendência sempre foi a agricultura”, disse Francisco Muraishi. E foi diante da sua necessidade de sobrevivência, com muito trabalho e planejamento, alcançou a marca de 300 alqueires de algodão plantados, em áreas pertencentes à família Muraishi.

E já foi na produção de algodão ele viveu na prática, a necessidade de planejamento e disciplina para alcançar produtividade. “Lembro que teve no ano de 1970 não choveu até dezembro. Plantamos o algodão e não choveu. Quando foi janeiro choveu e não parou mais. Houve um grande desemprego na cidade, tanto que o prefeito da época distribuiu sopa. Nós colhemos algodão em julho e agosto”, relembra ele, que teve uma importante lição naquela safra: no campo é preciso planejamento até durante o plantio.

O ALGODÃO, A SOJA E A CHEGADA DA CANA

No início da década de 80, Guaíra viveu uma nova transformação no campo. A cultura do algodão sofreu um duro golpe, reflexos de duas pragas que prejudicaram a produção, o “ácaro rajado” e o “bicudo”, que na época não possuíam inseticida para combater. Além disso, dificuldades na contratação da mão de obra para a colheita do algodão, fizeram com que a área plantada diminuísse, algodoeiras fechassem e para sobreviver, o produtor iniciava uma nova cultura, a soja.

E toda mudança gera gera um certo desequilíbrio. E neste caso, foi social. Se por um lado a cultura do algodão necessitava de grande quantidade de mão de obra principalmente para sua colheita, o plantio, o manejo e a colheita da soja era mecanizada e necessitava de pouca mão de obra.

O produtor rural também sentiu esta mudança, como relembra Francisco Muraishi que analisa, principalmente, a diferença de ganhos na produção das duas culturas. “Houve uma grande mudança na economia da cidade com a saída do algodão e a entrada da soja. Se por um lado ocorreu desemprego, por outro as dificuldades também foram enormes para o produtor. Para se ter uma ideia, o lucro líquido obtido na produção do algodão, era o valor da renda bruta da soja. Existiu uma grande diferença de renda que refletiu diretamente na vida do agricultor. Não tinha como comprar mais fazendas e nem pagar financiamentos. Muitas pessoas precisaram vender propriedade para pagar dívidas ou transferiram para outros estados”, comentou Muraishi.

Posteriormente, ainda na década de 80, Guaíra passou por uma outra mudança no campo, a chegada da cultura da cana de açúcar que também alterou o cenário agrícola e as condições de trabalho. “Quem sobreviveu a estas fases, teve disciplina e trabalho”, relembra ele que completa com uma frase que representa muito a determinação do homem do campo em superar desafios: “Época difícil, cria-se homem forte. Homem forte, cria vida fácil”.

EXPERIÊNCIA, DISCIPLINA E PLANEJAMENTO

As mudanças que ocorreram no campo, passando do algodão para a soja e a chegada da cultura da cana de açúcar no município fez com que o produtor rural fosse em busca de outras formas de produção. O plantio direto é caracterizado pelo desenvolvimento de sistemas de produção integrados, pela semeadura sem revolvimento do solo, pelo uso de rotação de culturas, e pela cobertura permanente do solo, seja com plantas em desenvolvimento ou seus restos culturais, foi uma das alternativas, para diminuir os custos da produção.

Francisco Muraishi tornou-se ao longo de mais de 70 anos de manejo da terra, uma referência na agricultura. E foi no plantio direto, que sua fama de especialista no plantio foi difundida. “Quem sobreviveu na agricultura ao longo destes anos teve disciplina e trabalho. Você deve ter anotações de como foi aquele ano agrícola para poder ter experiência. É preciso ter visão. Não é uma visão de um dia ou dois, mas de anos de produtividade. O plantio direto foi a salvação. O plantio direto correto e necessário. Não agride a natureza, pois convive com os animais, o meio ambiente. O solo mantém toda a estrutura de matéria orgânica, a umidade não evapora”, comenta Muraishi.

Hoje é comum ouvir: “se o Muraishi plantou você já pode plantar”. Mas, não é bem assim! Por trás desta evolução de produtividade que este sobrenome carrega, existe muita experiência, planejamento e principalmente disciplina de um estudioso nato, que traz anotado todos os dados do plantio em suas propriedades rurais. Ele anota as chuvas de todo ano, com quantidade de milímetros e as fases da lua. “Para se ter uma ideia, na minguante chove, na crescente não. Na lua cheia, chove. E tem outros fatores, um deles o implemento e a variedade a ser utilizada naquele ano”, diz ele.

O plantio, é o plano inicial. Além da chuva, que é essencial no plantio direto, ainda mais em área de sequeiro, é preciso estar atento também a regulagem do implemento utilizado. “No sequeiro tem muito risco. No sequeiro é disciplina. Faz muitos anos que eu não perco um plantio. Tudo é planejamento”, comenta Muraishi que revela que até a regulagem do implemento na hora de semear, é essencial. “Em um ano, eu plantei uma variedade com uma regulagem, não choveu e nasceu. Tudo é anotado e serve como uma referência”, destaca.

Outro fator é a variedade da semente. Ele comenta que se a partir de 20 de setembro, se der uma chuva necessária, pode plantar, mas ele indaga: “Mas qual variedade? Aí é a hora da reflexão. No Dia de Campo que realizamos, nós mostramos a produtividade de cada variedade. Se plantar a semente errada, perde o ano”, ele completa com mais orientações afirmando que se o produtor optar por uma variedade de soja e colher bem em um ano e voltar a utilizar a mesma em outro ano, já não colherá a mesma quantidade. Para ele, todo ano muda a variedade a ser plantada e o produtor precisa estar atento, buscar informações que muitas vezes são repassadas em eventos como o Dia de Campo, que é organizado todos os anos pelo Sindicato Rural.

A TECNOLOGIA A SERVIÇO DO HOMEM DO CAMPO

Para um homem que preparou a terra com carros de boi, passou pela época do algodão, o início da cultura da soja e do milho, a chegada da cana de açúcar no município, aos 78 anos a tecnologia se tornou uma aliada fundamental para o desenvolvimento de suas atividades agrícolas.

Para Muraishi, a tecnologia é necessária. “Eu acompanho de perto a agricultura de precisão e mesmo assim mantenho na fazenda, um museu dos implementos que meu pais usaram, que eu usei. Os carros boi, o primeiro trator, está tudo lá e ainda funciona. Mas, a chegada da tecnologia no campo foi fundamental, é necessária. Hoje não falamos em passar veneno com uniport, é drone. A tecnologia online é essencial para a lavoura”

Disciplina, planejamento, estudos e principalmente cautela. “Agricultura não aceita erros. Não pode ter amadorismo. Abraçar uma coisa muito grande que não dará certo, a pessoa perde tudo que o pai deixou”, afirma Muraishi que ao lado da sua esposa Antônia Osaki Muraishi completou 52 anos de casados e conseguiu transferir seus conhecimentos para os filhos.


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