O Brasil ocupa atualmente o incomodo posto de segunda nação com a maior população pobre do mundo, ficando atrás apenas da Índia. De acordo com dados recentes, 5,8% dos brasileiros vivem (ou sobrevivem) com menos de R$ 11,00 por dia. Mesmo com o recente recuo do desemprego, a renda familiar de muitos trabalhadores é insuficiente para custear as despesas básicas de um lar. Diante de um quadro tão alarmante é perfeitamente compreensível que as pessoas em tais condições procurem formas alternativas de sair dessa situação. Alguns partem para informalidade, outros para criminalidade, e já outros preferem um velho conhecido de todos nós: os jogos de azar.
A exploração de jogos de azar é proibida no país desde 1946. Contudo, a frágil fiscalização e as facilidades promovidas pela internet tornam a prática corriqueira nas mais diversas camadas sociais, viciando jovens e idosos. De tempos em tempos as manchetes dos jornais estampam velhos conhecidos, geralmente associados ao crime organizado. A bola da vez é o Fortune Tiger, ou Jogo do Tigrinho como ficou popularmente conhecido. Trata-se de um cassino online onde o objetivo é combinar três figuras idênticas nas três linhas que aparecem na tela, semelhante aos caça-níqueis. Por meio de redes sociais, influenciadores digitais têm promovido a atividade ilegal, prometendo prêmios com valores consideráveis. Para dar credibilidade ao jogo (ou golpe) os divulgadores mostram imagens de supostas contas onde foram creditados os prêmios. Tudo muito simples e fácil.
A combinação entre uma enorme exposição midiática e a ingenuidade de uma parcela significativa de usuários de smartphones fez o Jogo do Tigrinho alterar o comportamento de consumo das famílias de baixa renda. De acordo com a consultoria Strategy&, apostas de forma geral já representam 76% das despesas de lazer e cultura das classes D e E. Outro dado recente aponta que os brasileiros perderam, aproximadamente, R$ 24 bilhões em jogos de azar em apenas um ano. Essa perda tem impacto direto na economia, uma vez que, mesmo com a redução do desemprego e o aumento da renda, a população não tem consumido produtos e serviços essenciais. Isso é uma bola de neve que está arrasando famílias inteiras. Gastando além do que podem, os provedores do lar buscam empréstimos (formais e informais) impagáveis e a penhora dos poucos bens que possuem. O resultado? Adoecimento mental, depressão e até suicídio.
Na tentativa de frear os jogos de azar, o Ministério da Fazenda vem criando regras como a apresentação de certificação internacional atestando a legitimidade da plataforma de jogo online. Além disso, as empresas devem disponibilizar tabelas de pagamento informando as reais possibilidades de ganho do apostador. As novas regras entram em vigor a partir de janeiro de 2025. Não há dúvidas que as iniciativas do Estado, mesmo que tardias, são válidas e poderão resultar na redução dos ganhos desonestos de empresas e golpistas. Todavia, a raiz do problema vai além das facilidades nas apostas e da ingenuidade dos apostadores. O brasileiro simplesmente não tem educação financeira. Por incrível que pareça, ensino financeiro enquanto disciplina é considerada um diferencial na educação básica. Ou seja, apenas uma pequena parcela da sociedade aprende na escola como lidar com o dinheiro. A esmagadora maioria irá aprender na prática, ou pior, com os maus exemplos em casa.
Problemas sociais causados por predadores, como o Tigrinho, só poderão ser sanados quando o Estado formar cidadãos financeiramente responsáveis e, para que isso ocorra, o bem coletivo deve estar em primeiro lugar. O problema é que, na maioria das vezes, ele não está.
Fabiano Santana dos Santos. Doutor em Serviço Social e Professor do curso de Administração da Universidade Federal de Alagoas. Contato: fsantana@arapiraca.ufal.br