Colunista

A caça ao servidor público

        A crise brasileira atinge, atualmente, quase todos os setores: o comércio, a indústria, os transportes, a educação, a saúde, a segurança, a arrecadação, entre outros, os quais, de maneira direta, sofrem com uma economia que há dois anos vem se retraindo.

         As causas emergentes que revelam esse cenário são, sem dúvida, as infrações praticadas pelas cúpulas dos Poderes no Brasil, sobretudo do Executivo e do Legislativo Federal, as quais agridem as convenções morais e as regras de decoro, afetando toda a sociedade. Contudo e, infelizmente, a população parece não enxergar tal situação com as lentes da realidade e, por isso, acaba transferindo a culpa por essa mazela a outros: aos servidores públicos!

         Diante à insatisfação popular gerada pelo cenário sombrio do país, instalou-se um verdadeiro “Tribunal do Santo Ofício” – instituído na Idade Média, pela Igreja Católica, para inquirir os hereges/pagãos; hoje, porém, na Idade Contemporânea, os pagãos perseguidos são os servidores públicos brasileiros. Com o argumento de que os servidores públicos são funcionários titulares que desfrutam de regalias, estabilidade e privilégios, projetos são criados, junto ao legislativo, com o objetivo de restringir ou mesmo acabar com seus direitos!

         O projeto mais expressivo no tocante a esse assunto é a Proposta do Senado Federal que visa acabar com a estabilidade dos servidores públicos por meio da implementação da avaliação de desempenho, conforme o art. 41, § 1º, III, da Constituição Federal de 1988 que traz:

  • O servidor público estável só perderá o cargo:

III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. 

         Como se vê, a própria Constituição federal garante a avaliação de desempenho do servidor, a qual acontece durante o estágio probatório, sem falar também da primeira avaliação pela qual ele passou por meio de aprovação em concurso público, como fruto de sua dedicação. Sob essa ótica, “a estabilidade e as regalias” passam pelo crivo do cumprimento de deveres com responsabilidade e diligência. 

         Vale esclarecer, também, que a estabilidade do servidor público tem como objetivo garantir sua imunidade em relação a perseguições políticas e demissões injustas, uma vez que ele precisa se sentir seguro para priorizar a prestação de serviços à sociedade e não a seus superiores hierárquicos. Portanto, a estabilidade do servidor público não é um privilégio!

         Desse modo, ao “proteger” o servidor, a estabilidade protege a sociedade, impedindo que os órgãos do setor público se transformem em cabides de emprego e palcos de nepotismo e clientelismo. Ademais, a estabilidade impede a descontinuidade administrativa que, em geral, gera a perda da memória técnica e cultural das organizações e do próprio país.

         Devo dizer que considero importante a avaliação de desempenho do servidor, bem como as razões e intenções das medidas que objetivam tal avaliação, as quais possuem elementos interessantes, uma vez que há, nas repartições públicas, funcionários que não merecem o cargo que ocupam.

Todavia, as razões para a se instalar uma avaliação que vise o fim da estabilidade parecem inflamadas e distorcidas quando pautadas num clamor popular desmedido, que atribui ao servidor público a responsabilidade pelo fracasso econômico do País.

         É válido ressaltar que o servidor público segue um rol de tarefas definidas por lei, numa súmula de atribuições que acompanham a hierarquia da instituição e que são pautadas pelo alto escalão. Logo, a responsabilidade pelos erros do Estado é da cúpula do Poder e dos cargos de natureza política e, não, do servidor público concursado!

         O que soa incoerente e, de certa forma injusto, é que não se vê por parte do Parlamento nenhum movimento para modificar a estrutura dos cargos de livre nomeação, ou seja, dos Comissionados, constante no art. 37, V, da Constituição Federal. Esses cargos, sim, são os ditos cabides de emprego que se engendram como valiosa moeda de troca o Presidencialismo de Coalizão que possuímos.

         Carregar uma imagem de vilão responsável pelo fracasso econômico nacional é, de fato, um peso injusto atribuído ao funcionário público. Ao culpabilizar essa classe que, de modo geral, cumpre com honra e responsabilidade seu serviço à sociedade, os Poderes Executivo e Legislativo Federal se mantêm em situação confortável, à medida que suas responsabilidades são absolvidas.

 

Simone Cristina Succi

 


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