Colunista

Frente ampla ou comissão de frente

Muito se tem falado na formação de uma Frente Ampla capaz de unir a oposição e enfrentar, nas eleições do ano que vem, Jair Bolsonaro. Há articulações desde a esquerda, o centro e a direita, que envolvem PT, Rede, PSB, PDT, PSDB, MDB, Cidadania, DEM e Novo. O que registra a História, quando se fala de coesão na política?

Logo após o Golpe Militar de 1964, surgiram conversas entre os principais líderes políticos para a formação de uma Frente Ampla de oposição à ditadura. Em 1966, o deputado federal Renato Archer (MDB-RJ) promoveu a aproximação dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek (PSD), exilado em Portugal, e João Goulart (PTB), exilado no Uruguai. Cientista e diplomata, Archer foi um dos principais articuladores no sentido de unificar forças contra o regime militar.

Embora integrante do movimento que havia derrubado Jango e cassado os direitos políticos de Juscelino, o ex-governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, não concordava com outras medidas, econômicas e políticas, impostas pela ditadura militar. Lacerda, que pretendia chegar ao Palácio do Planalto, voltou-se contra os militares que apoiara porque rejeitava as eleições indiretas e a prorrogação do mandato do general-presidente Castelo Branco. Archer era seu companheiro na UDN, partido que desaparecera com a imposição do bipartidarismo com apenas Arena e MDB.

Mediador entre Lacerda e Juscelino, presente ao encontro dos dois líderes políticos em Lisboa no mês de novembro de 1966, Archer assumiu a posição de principal porta-voz do primeiro, tentando conquistar também as adesões do ex-presidente Jânio Quadros (MDB) e do ex-governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto (Arena), este, como Lacerda, um apoiador de primeira hora do Golpe Militar.

A Frente Ampla convenceu Jango, que não aceitava a ideia de unir-se a Lacerda, inimigo do PTB getulista e com militares ao seu lado. Em setembro de 1967, Lacerda e Jango abandonaram as desavenças em histórica reunião na cidade de Montevidéu. Archer havia garantido a Jango que os militares lacerdistas não seriam contra a aliança sob uma condição, que a Frente Ampla não promovesse luta armada para derrubar o regime. Isso, porque Leonel Brizola (MDB), ex-governador do Rio Grande do Sul, próximo de Jango, apoiava grupos guerrilheiros que se organizavam em vários estados.

A partir daí, com boa parte dos parlamentares do MDB aderindo ao movimento da Frente Ampla, comícios iniciaram forte mobilização popular. Começando pelo ABC paulista — Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul — em dezembro de 1967, depois em Londrina e Maringá, no Paraná, em abril de 1968. Um deles reuniu cerca de 15 mil trabalhadores. Tais eventos, somados às manifestações estudantis realizadas em todo o Brasil em repúdio à violência policial que no final de março, no Rio de Janeiro, assassinara o estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, acuaram o regime militar.

No dia 5 de abril do mesmo ano, medidas repressivas foram instauradas pelo ministro da Justiça, entre as quais a Portaria nº 117, proibindo as atividades da Frente Ampla. Em 30 de dezembro de 1968, alguns dias após a edição do Ato Institucional nº 5, Carlos Lacerda teve os seus direitos políticos cassados por 10 anos. Renato Archer, que havia sido militar da Marinha, também teve o seu mandato cassado e, assim como Lacerda, os direitos políticos suspensos por uma década. Passou por um longo período de perseguição. Foi preso várias vezes pela Polícia Federal. Arrolado em Inquérito Policial Militar (IPM) e acusado pelo Exército, não foi a julgamento por falta de provas.

Em setembro de 1969, com o afastamento do presidente Costa e Silva por doença e a ascensão de uma Junta Militar ao poder, Archer voltou a ser preso. Em novembro de 1970, já no governo do general-presidente Emílio Garrastazu Médici, foi preso pela terceira vez, então com violência. Sua residência foi invadida e a filha de seis anos ameaçada de sequestro. Mantido incomunicável por 20 dias, foi interrogado sobre um encontro que tivera pouco tempo antes, na Europa, com o deputado federal cassado Márcio Moreira Alves (MDB). Competente jornalista, Moreira Alves era de família rica, proprietária do Hotel Ambassador, no Rio de Janeiro, onde havia o Juca’s Bar, efervescente ponto de encontro de intelectuais e políticos na década de 1960.

Renato Archer, impedido de atuar politicamente, voltou à iniciativa privada. Entretanto, nunca desistiu de unir a oposição contra o regime ditatorial. Em 1978, ao lado do senador Severo Gomes (PMDB-SP), foi um dos ativistas da Frente Nacional de Redemocratização (FNR), movimento que articulou a candidatura do general Euler Bentes Monteiro à presidência da República pelo MDB, contra a candidatura oficial do general João Batista Figueiredo.

Por fim, a História registra a coalizão política criada em 1984, já no período de agonia e morte do regime militar, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), oposicionista, e pela Frente Liberal, dissidência do Partido Democrático Social (PDS), governista, buscando apoiar, na eleição presidencial a ser realizada pelo Colégio Eleitoral em janeiro de 1985, chapa encabeçada por Tancredo Neves, oposicionista moderado, e José Sarney, ex-presidente do PDS (sucessor da Arena), candidato a vice. Vale registrar que a proposta de unir a oposição em frente ampla para derrubar a situação não é apenas brasileira. Só nas Américas tivemos movimentos iguais também no Chile, Costa Rica e Uruguai.

A coesão de esforços para vencer um opositor é caminho válido. Mas, o que a história registra na formação de blocos políticos é frustrante. Muita conversa, muito discurso, muita promessa e, na hora da decisão, cada um arruma um bom motivo para não ceder espaço, não desistir de estar na ponta da chapa a ser apoiada por todos. União requer humildade, desprendimento, altruísmo – ter respeito pelo interesse coletivo.

Diante da gestão Bolsonaro haverá um conjunto de líderes partidários capaz de, sem vaidades ou pretensões pessoais, unir a oposição tendo um só nome de todos à presidência da República? A situação e os oportunistas de sempre estarão firmes em torno de Jair Bolsonaro, cujo maior adversário até agora tem sido ele mesmo.

Lula, Ciro Gomes, João Dória, Marina Silva, Guilherme Boulos, Luiz Henrique Mandetta, Sergio Moro, João Amoêdo e Rodrigo Maia serão capazes de abrir mão de interesses próprios para constituir uma consistente e exitosa Frente Ampla? Ou tudo ficará apenas na Comissão de Frente de um desafinado samba-enredo derrotado no carnaval da esperança?

Quem viver, verá.

*Ricardo Viveiros é jornalista, professor e escritor. Conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da União Brasileira de Escritores (UBE), membro honorário da Academia Paulista de Educação (APE), é autor de vários livros, entre os quais: “A vila que descobriu o Brasil”, “Educação S/A” e “Justiça seja feita”.

 


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