Ninguém vai tão longe sozinho quanto imagina

Editorial
Guaíra, 3 de dezembro de 2025 - 08h43

Às vezes, observar certos grupos na vida pública é como assistir a uma pelada de fim de tarde, daquela que você só ia passar por curiosidade, mas acaba ficando porque sempre tem alguma cena que prende o olhar. Talvez seja o fascínio pelo coletivo, talvez a tentativa de entender por que alguns times parecem nascer com espírito de equipe, enquanto outros vivem em estado permanente de “cada um por si”.

Há equipes que funcionam como uma mão que nunca solta a outra. Quando um jogador erra, o erro é imediatamente revestido de poesia. Dizem que “faz parte da evolução”. Quando alguém exagera na falta, lá vem um companheiro explicando que aquilo demonstra “coragem de enfrentar o jogo”. E quando um deles marca um gol contra daqueles que dá vergonha até no narrador, logo surge alguém garantindo que foi “uma jogada bem pensada para quebrar o ritmo”.

É um espetáculo de união. Faz a gente pensar, quase sem perceber: imagine se todo time tivesse esse nível de proteção. A mente dá um clique automático, aquela sensação de pertencimento começa a se insinuar.

Em outras equipes, porém, o clima é outro. Ali o jogador entra em campo sabendo que, se tropeçar, vira estudo de caso dos próprios colegas. Se acerta, ótimo, mas nada impede que alguém comente que o passe poderia ter sido um pouco mais enviesado. Se decide tentar algo diferente, a crítica chega com a delicadeza de um carrinho por trás.

É um time que usa a mesma camisa, embora muitas vezes pareça que cada jogador está disputando uma modalidade distinta. A bola chega, mas a parceria não. Existe no ar uma mensagem muda, quase um sussurro: se vira. E, sem que se perceba, a sensação de urgência toma o campo.

No fim, o resultado é previsível. Muita gente atravessa o gramado sozinha. Não porque quer ser protagonista, mas porque o banco de reservas permanece silencioso. Falta um gesto, um olhar, uma presença que diga “vai lá, estamos aqui”.

Enquanto isso, outras equipes se mantêm unidas, mesmo tropeçando nas próprias pernas. A coesão permanece, firme, quase teimosa. É o tipo de coisa que, injusta ou não, funciona. Ganha jogo. Ganha tempo. Ganha moral.

E quando o jogo se alonga e o cansaço pesa, fica aquela pergunta que parece simples, mas vira uma pedrinha incômoda na consciência: como competir em um campeonato onde uns jogam como família e outros jogam como vizinhos que dividem apenas o mesmo portão?

Talvez a verdadeira lição esteja nesse detalhe tão antigo quanto o próprio futebol. Times que vencem não são necessariamente os mais brilhantes. São os que aprenderam a andar juntos. Até quando o campo fica pesado. Até quando o placar aperta. Até quando o gol parece incrivelmente distante.

No fundo, ninguém vai tão longe sozinho quanto imagina.


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