GUAÍRA EM PAUTA

A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular

Cidade
Guaíra, 23 de julho de 2021 - 08h36

Por Camilo Junqueira Prata

O prefeito interino Edvaldo de Morais reuniu-se com representantes de alguns setores públicos e conveniados da Assistência Social envolvidos na execução de ações em benefício das pessoas em situação de rua. A maioria dos presentes, com exceção dos policiais militares, é subordinada ao chefe do executivo ou com alguma relação (convênio) com a prefeitura. No começo desta semana, em um vídeo disseminado pela Rádio Cultura, Edvaldo Morais enfatizou a situação de rua como um problema a ser resolvido. No entanto, de forma enérgica, o mesmo apontou solução que já não deu certo, como o recâmbio social ou o retorno destas pessoas às suas cidades de origem.

Notou-se a ausência de outras políticas públicas no evento, também subordinados ao Poder Executivo, como Saúde, Saúde Mental, Educação (EJA), Desenvolvimento Econômico, Parques e Jardins, dentre outros. Mas, especialmente, faltou convocar representantes da sociedade civil, os clubes de serviço, os líderes comunitários e religiosos, especialmente os envolvidos em ações de caridade junto a esta população ou mesmo valorizam estes atos dos fiéis como caminho para a elevação espiritual. Aliás, o Fundo Social também, já que possui papel fundamental na mobilização e articulação da sociedade civil. 

O presente artigo pretende atentar para alguns detalhes, que costumam ser esquecidos, quando não rejeitados, mas que são essenciais para oxigenar e rever as ações e práticas sociais. Não só em Guaíra, mas no Brasil inteiro é um desafio constante. A Política Nacional para esta população, existente desde 2009, é desconhecida por muitos e traz em sua essência a necessidade de ações coordenadas e conjuntas de todos os setores da sociedade. 

“NÃO DÊ ESMOLA, DÊ CIDADANIA”

Desde o último dia 28 de junho, a Associação ALAR publicou em sua página de Facebook uma arte-divulgação com o conteúdo “Não dê esmola, dê cidadania”. A entidade é responsável pela Abordagem Social nas pessoas em situação de rua no município e a campanha possui muitos anos, não sei precisar quantos, talvez da época da implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do enfretamento maior do trabalho infantil, com as “flanelinhas” nas ruas, que esta campanha se faz presente. Naquele tempo, quando se via uma criança na rua, qualquer um imaginava que ela deveria estar na escola, era e é o sinônimo de cidadania. E com a população de rua, sendo maior e responsável por suas decisões, será que funciona assim também? É um desafio constante refletir se não tratamos moradores de rua como crianças ou incapazes. 

A campanha que começa com um NÃO, mas em seguida não apresenta um delito ou ato proibido por lei, portanto uma recomendação apenas, é disseminada nos grandes centros urbanos e chegou ao interior também. Se não é crime, e nosso país sendo bastante cristão e adepto da esmola/caridade, a estratégia central da campanha não parece bastante frágil? Não seria hora de substituí-la ou cada município ter a liberdade de pensar a partir da sua realidade?

O mote da campanha é acompanhado sempre de um discurso para a centralização das ações de atenção à população de rua no governo, em serviços públicos ou conveniados, que seriam mais confiáveis e que garantiriam a cidadania dos cidadãos. E os governos, têm dado conta dessas demandas sozinhos? Quem nos garante que o governo também não tem dado um paliativo travestido de direito social? 

SUBSTITUIR A ESMOLA POR OUTRAS AÇÕES

Dar esmolas não é proibido, mendigar também não é, mas já foi. Se, por um lado, os defensores dos direitos sociais comemoraram a descriminalização da mendicância em 2009 – mesmo ano em que foi instituída a Política Nacional para População em Situação de Rua -, hoje, ainda, a nossa cultura criminaliza em pensamentos, atos e gestos a presença desses cidadãos na rua. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, não abrem mão de dar esmola. Não bastassem todos os desafios da inclusão social, estando a sociedade extremamente polarizada ideologicamente, qualquer convite ou diálogo junto à sociedade civil precisa estar assentado na reflexão dos valores sociais atuais. É um desafio para tanto às lideranças, ao marcarem suas reuniões, tanto quanto para se pensar em  campanhas educativas ou sociais. 

A sociedade civil já possuiu lugar de maior importância na condução da política social nas gestões FHC, quando dona Ruth Cardoso tomou como desafio mobilizar, articular e construir uma rede solidária. Um pouco antes dela, partindo da sociedade civil, tivemos o sociólogo Betinho com suas campanhas contra a fome. Nas gestões Lula, sem a participação da primeira dama em ações da política social, a condução tornou-se totalmente técnica e avançou-se muito na construção de um Sistema, tão ideal quanto o SUS, para assentar as necessidades da Assistência Social (SUAS). Com isso, encolheu a participação da sociedade civil nas decisões e concentrou no Estado as responsabilidades. Enfim, houve perdas e ganhos nas duas gestões. Como vivemos um momento onde não há paradigma algum, quem quer se situar, busca estas experiências recentes para se nortear.

Um político respeitado no Brasil nos últimos tempos, que ficou mais conhecido como o “prefeito de Colatina/ES”, Sérgio Meneguelli, após 10 dias da despedida do governo municipal, na condição de sociedade civil, fez um vídeo em que substitui o “dê cidadania” por “dê trabalho”. Não deu tempo de pintar uma cerca da cidade que havia se comprometido, contratou uns moradores de rua e registrou o feito. Resolveu o problema como um todo? Não, mas já é uma iniciativa a ser copiada por outros. Confira no Youtube ou na página Guaíra em Pauta, é um exemplo imperdível. 

Nenhum prefeito – seja interino ou eleito – tem necessidade de abraçar esta demanda sozinho, como um “salvador da pátria” ou colocar a administração pública como o centro das decisões e encaminhamentos. Existem situações de segurança pública que fogem do controle de qualquer chefe de executivo, a menos que diga respeito às atribuições da guarda municipal. As campanhas, ou melhor, novas campanhas são importantes mediadoras do governo com a sociedade. Só uma sociedade civil mais consciente pode colaborar com o governo e, juntos, promover as mudanças. 

NOVAS CAMPANHAS

A Prefeitura de Guaíra tem promovido algumas campanhas realizadas pelo Departamento de Posturas, coordenado pelo Edivaldo Faria, desde a gestão passada. São assuntos muito pertinentes e que ganhariam muito se fossem aperfeiçoados. Na mesma situação, estão as campanhas ou pequenas ações de divulgação produzidas pelas entidades sociais, sempre muito válidas, mas poderiam causar maior impacto. Se quem não é da área já percebe isso, imaginem as maravilhas que um profissional não poderia fazer?

A página Guaíra em Pauta, desde maio, já questionou algumas vezes uma licitação da Prefeitura para gastos com Publicidade. Será um contrato de nove meses, envolvendo 414 mil reais e uma Agência de Publicidade, a vencedora de uma concorrência pública em andamento. Quem sabe este número ideal de meses não possa inspirar a gestão a encomendar, à futura contratada, campanhas que possam conduzir a gestação de uma sociedade civil mais consciente dos seus direitos e dos seus deveres. Ou seja, nada de ilusão ou um mundo inventado como se já vivêssemos no melhor dos tempos.


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