Aceita que dói menos

Opinião
Guaíra, 19 de novembro de 2021 - 10h01

Por Izildinha Lacativa

Todos já ouviram esta expressão “aceita que dói menos”. Normalmente atribuída às pessoas que perderam alguma coisa, um objeto, um jogo ou até um fora da namorada (o). Uma frase fácil de falar, que muitas vezes revela uma provocação ou ironia, oferecendo um sentido de se conformar para sofrer menos. Para Freud (criador da psicanálise), a coisa não é tão fácil assim. Pois se deparar com a perda, requer um investimento de energia psíquica que talvez não esteja ao alcance de uso no devido momento ou talvez a estrutura psíquica do indivíduo não suporte lidar com o vazio e a dor.

A coisa ficou mais feia, quando ele foi responsável ou ajudou em grande parte no processo todo. Aí meus amigos, o indivíduo se depara não somente com a perda daquilo que tinha ao seu alcance. Mas com uma ameaça à sua própria integridade, que significa ao enlutado perder parte de seu ego, do seu Eu, gerando inclusive um desequilíbrio mental. Onde a canalização de toda sua energia (antes investida no que foi perdido), de dor, raiva e outros sentimentos, a transferir para terceiros, fatos e narrativas fundamentados em falsas premissas e falácias bem articuladas (a velha técnica da cortina de fumaça). Na tentativa desesperada de ocultar suas falhas e erros ou mesmo a própria incompetência, de ter agido por impulso ou mesmo pelo falso excesso de autoconfiança, que faz com que o indivíduo não dê ouvidos às sugestões. Muitas vezes acarretando “acidentes de trabalho” e ou desvios difíceis de reverter. 

Portanto, a expressão “aceita que dói menos”, que ao longo do tempo, ganhou sentidos no cotidiano das pessoas e acabaram por fazer parte da sua vida e do seu desenvolvimento, parece contraditória. Porque afirmar que aceitar as perdas, para evitar um sofrimento maior, pode levar aqueles que sofrem com perdas, separações, traições, entre outros exemplos, a pensar apenas no lado conformista da situação. Quando o que ocorre, na verdade, é a tentativa, em alguns casos, de fugir da dor e não aceitá-la.

Embora tenham um sentido simplista, a maioria dos bordões deriva dos sofrimentos dessa natureza. Para os estudiosos da mente, aceitar a realidade, significa sim, pensar que haverá sofrimento. Além de um trabalho psíquico complexo e profundo de reconstrução. 

E para terminar, Soneto de Fidelidade, é um poema de Vinicius de Moraes em que aborda os sentimentos de amor e fidelidade em um relacionamento, e que termina com a seguinte frase “mas que seja infinito enquanto dure”. E acredito que ele tinha razão. Este algo que incomoda hoje, não será eterno. Uma hora passa. Pode ser depois de um mês. Um, três ou sete anos. Não importa, tenho certeza que encontrará algo novo, onde poderá se encontrar.


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