Amor não mata. Machismo, sim

Opinião
Guaíra, 4 de setembro de 2018 - 07h30

Por: Denir Ferreira

Conforme dados da Organização Mundial de Saúde e do Mapa da Violência, o Brasil é o quinto país com maior incidência de assassinatos de mulheres. São treze homicídios por dia. Ao abrir qualquer jornal, você verá notícias de algum caso “do dia”. As matérias têm sempre os mesmos ingredientes. Homem que não aceita o final do relacionamento, ciúme excessivo, histórico de agressões antigas e, o mais triste, o feminicídio e tentativa de suicídio do assassino.

É no universo doméstico que ocorrem 55,3% dos assassinatos, 50,3% cometidos por familiares, 33,2% dos algozes são o marido, namorado ou ex. Na mira principal, as mulheres entre 18 e 30 anos. Os homens liquidam usando a força física (estrangulando, socando, chutando), com facas, facões e objetos perfurantes. Usam pouco as armas de fogo, já que o acesso a elas é mais raro.

Os veículos de comunicação costumam chamar casos assim de “crimes passionais”, como se eles tivessem sido movidos por amor. Não são. Amor não mata; o que mata é a sensação de poder que o ex-parceiro tem sobre a vítima. O criminoso tem certeza que a vítima lhe pertence. “Se ela não for minha, não vai ser de mais ninguém.” É a completa desumanização da mulher, transformando-a em um objeto sobre o qual alguém tem propriedade, pelo simples fato de algum dia eles – proprietário e objeto – terem sido um “casal”.

Dizer que um homicídio tem caráter passional não serve de nada ao direito, posto que o tipo penal não reconhece a “paixão” como motivo para um assassinato. Pelo contrário: a pena pode ser aumentada se for reconhecido que o réu agiu com motivação torpe ou fútil, ou ainda sem dar possibilidade de defesa à vítima. A lei sancionada em 2015, de número 13.104, torna o feminicídio um crime qualificado, segundo a lei penal. Ao se tornar um crime qualificado, ele torna-se, automaticamente, hediondo.

Este tipo de situação torna a motivação do assassinato baseada no sexo da pessoa um crime oficialmente repugnante para os valores sociais, entendido como um dos piores tipos de atentado àquilo que a própria sociedade tenta defender. A diferença prática entre o homicídio simples e o homicídio qualificado por feminicídio é sua gravidade, pelo fato de o segundo ser considerado hediondo desde a aprovação da lei. Os homicídios simples preveem prisão por 6 a 12 anos em caso de condenação, enquanto o crime hediondo apresenta pena entre 12 e 30 anos.

O ódio presente nos crimes que dizem serem movidos por amor é evidente. Mas a quem interessa dizer que tal crime é passional, que o réu estava sofrendo com a rejeição, ou que ele não conseguia enxergar a própria vida com a ausência da mulher amada?

Com esse discurso, coloca-se o feminicídio como sendo de ordem privada; “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Assim, afasta-se a necessidade de uma discussão geral e mudança social acerca destes crimes. Parece que havia algo entre os dois que justificaria o assassinato, a tortura, a violência. Lavamos as mãos e fingimos que, se chegarmos muito perto, estaremos invadindo a privacidade daquele casal. Um casal que não existe mais; primeiro porque a mulher quis sair, segundo porque ela foi morta por quem um dia confiou.


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Denir Ferreira

Denir Ferreira é empresário, universitário do curso de Administração e coach em PNL

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