A solução está à vista

Opinião
Guaíra, 8 de dezembro de 2017 - 15h09

Por Gaudêncio Torquato

Dados de pesquisas recentes sinalizam: nunca a sociedade brasileira esteve tão de costas para a política. 84% dos brasileiros não se sentem representados por nenhum partido político; 64% acham que a melhoria da vida no país depende de si próprios, enquanto 45% confiam que só Deus arrumará as coisas. Essa é a moldura desenhada por pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva. Na área dos jovens, a descrença é maior: dos 8 milhões de universitários brasileiros, dois em cada três não acreditam mais na política, enquanto 90% vêem o país no rumo errado. Porém, quase 80% acreditam que o voto pode mudar o destino da Nação. E por que não agem para mudar a direção errada?

Uma das hipóteses é a de que muito poucos acreditam na mudança de rumos. Há uma convicção generalizada que o vírus da corrupção se faz presente na veia dos brasileiros, sendo praticamente impossível sua extirpação. Esse vírus assume, em alguns momentos, o nome de “jeitinho brasileiro”. A pesquisa do Locomotiva mostra, por exemplo, que cerca de 3% dos brasileiros se consideravam corruptos, enquanto 6% admitiam já terem praticado corrupção. E de cada 10 pessoas, 8 diziam já ter falsificado uma carteira de estudante ou dado propina a um guarda de trânsito. Essa sensação geral de corrupção espraiada explica parte da descrença geral.

Os brasileiros, principalmente os jovens, mantêm alto grau de decepção com a política. É evidente que o mar de lama em que se transformou a política tem funcionado como antídoto para que cidadãos de todas as classes a evitem. Há um sentimento de autopreservação, que se manifesta por meio do distanciamento da política. A sujeira que corrói a imagem da classe política acaba nivelando por baixo seus protagonistas, deixando-os sem credibilidade. Dos jovens, então, nada se pode esperar se não um desprezo crescente por políticos. O fato é que os entes partidários, mesmo tomando conhecimento da objeção que a eles se faz, não tomam atitudes para atrair os descrentes.

COMO RENOVAR? – Como pode se falar em renovação política sem participação maciça dos jovens na vida partidária? Alguns partidos até procuram criar frentes para abrigar jovens, chegando a instalar cursos de formação política, mas a adesão a eles é pequena. Os núcleos de jovens são formados por parentes ou amigos de participantes tradicionais, ou seja, os poucos jovens que frequentam os salões políticos recebem orientação dos mandatários da velha política. Assim, a renovação, se emerge em algum canto, vem por conta- gotas, o que joga a meta de renovação para as calendas.

O descrédito leva à inércia. Nos idos passados, corria a certeza de que movimentações nas ruas acabavam gerando reações nos vãos da política. Quando grupos organizados ocupavam os corredores do Congresso e quando os movimentos de rua, como vimos em 2013, faziam protestos, os resultados apareciam. Até o Supremo Tribunal Federal teve espaços ocupados por setores organizados que ali foram defender suas causas. Hoje, essa movimentação é pífia e restrita a causas corporativas, quase todas com o fito de defender posições salariais e privilégios de categorias.

Os campos de expressão mudaram. As ruas estão sendo substituídas pelas redes sociais. Nos últimos 10 anos, cerca de 54 milhões de novos internautas passaram a usar as redes horizontais de intercomunicação, dando fluxo a uma tendência que certamente irá gerar impactos na esfera política. Infelizmente, os atores do velho palco ainda não se tocaram para tal realidade. Não é a toa que perfis detestados pela mídia massiva (rádio, TV, jornais e revistas) começam a receber consagração dos frequentadores das redes. Donde se deduz que grandes interrogações rondam o mundo da política. O imponderável aparece com frequência na nossa paisagem.

O QUE TEM DE SER FEITO – A partir do desengonçado desenho que a pesquisa exibiu, seu coordenador, o cientista Renato Meirelles, chega à conclusão que o país, ante a gravidade da crise, vive “um caminho sem volta”. Apenas um novo modelo para gerir a sociedade resolveria a crise. Nesse ponto, não há como concordar com Meirelles. Porque a solução está à vista.

Tentemos enxergá-la. O caminho da solução passa, primeiro, pela vereda da reforma dos costumes políticos. Com uma só tacada, poderíamos reduzir o número de partidos – de 35 para 6 ou 7 -, com a adoção de instrumentos voltados para a multiplicação de siglas( cláusula de barreira); incorporação de doutrinas pelos partidos, a partir de propostas claras e de fácil entendimento social; adoção do sistema distrital misto de voto; exigência de disciplina partidária e rigor na aplicação de padrões éticos de conduta; instalação do parlamentarismo de feição brasileira, ou seja, com repartição ajustada de funções entre os Poderes Executivo e Legislativo; adoção de mecanismos de controle de abusos de autoridade; celeridade do Judiciário; sistema geral e igualitário de previdência social, com a extinção de privilégios; fim da querela entre Ministério Público e Polícia Federal quanto ao poder de aceitar a delação premiada; rígida aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal; proibição de candidatos inseridos no rol dos ficha-sujas etc.

Se esses instrumentos fossem adotados, a política abriria uma nova era e as instituições, a partir dos três Poderes, funcionariam sob o fluxo da harmonia e eficiência. Não há como aceitar a tese de um país sem partidos. Não há como aceitar a ideia de uma Nação que dê as costas à política. Qualquer solução para a melhoria da vida institucional passa obrigatoriamente pela política. O resto é lorota. Defender candidaturas autônomas, sem a chancela partidária, é abrir frestas ao autoritarismo e ao populismo. Seria a louvação do individualismo. Fora os “salvadores da Pátria”, fora os demagogos, fora aqueles que ainda apostam na divisão do território entre “nós e eles”. Cuidado, muito cuidado, incautos.


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Gaudêncio Torquato

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação

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