Já pensou nascer em uma época onde a expectativa de vida era apenas 36 anos? No começo do século passado era assim, quem nascia lá pelos idos de 1920, tinha essa média de expectativa de vida. No Brasil, felizmente esta média aumentou, em 2020 ela é em torno de 76 anos. Infelizmente não temos muitos dados oficiais, de pessoas que venceram as estatísticas e hoje conseguiram chegar à quarta idade, uma classificação etária de quem passou dos 80 anos. Estima-se que existem 125 milhões de homens e mulheres, em todo o mundo, que ultrapassaram as oito décadas de vida, e no último mês de novembro, fomos convidados pelo Sr Benevenuto Luchiari, proprietário do Hotel do Lago, localizado em Guaíra, interior do estado, a conhecer uma dessas pessoas , o seu tio Sr. Benedito, que no mês de dezembro completará 101 anos.
O encontro aconteceu no dia 3 de novembro, aguardávamos um senhor de 100 anos, que deveria estar com a saúde debilitada, acompanhado de cuidador, de bengala ou mesmo na cadeira de rodas, doce ilusão, quando no final do corredor avistamos um Senhor de andar tranquilo, vindo em direção aonde estávamos. Para nossa surpresa se dirigiu à nossa mesa e fomos apresentados pelo seu sobrinho, “este é meu tio que completa em dezembro 101 anos”.
O homem centenário que havíamos idealizado era bem diferente de quem estava em pé a nossa frente, pois este esbanjava simpatia, fala fácil, aparentava gozar de boa saúde. Pediu licença e nos acompanhou em um breve café da manhã.
Começamos a entrevista e o Sr. Benedito Pereira da Silva, nascido em Guaíra, no ano de 1920, fez questão de lembrar que casou, crismou e foi batizado aqui, até partir para o estado do Paraná com 24 anos. Aproveitou o feriado de finados para rever familiares e amigos, dar uma volta em sua cidade natal, almoçou na beira do Rio Pardo, jantou na casa da sobrinha, ficou hospedado no Hotel do Lago, que tem como proprietário o seu sobrinho, Benevenuto (Bene), a quem teceu vários elogios, “uma pessoa nascida e criada aqui. A gente tem ele como líder da família”. Em visita ao cemitério, nos falou da emoção de sentir a presença dos seus antepassados, principalmente dos seus pais que estão sepultados aqui, juntos com seus avós, tios e outros familiares.
A curiosidade era tanta que perguntamos a ele de onde ele tirava tanta energia e vitalidade.
Muito tranquilamente explicou que “primeiramente a Deus, depois da minha mãe, afinal ela me carregou na barriga 9 meses”. Ele nos contou que o fato de ter perdido o pai quando tinha 3 anos, pode ter contribuído para os desdobramentos que teria que passar na vida “perdi meu pai quando eu era muito novo, minha mãe foi morar na casa do meu avô, onde junto com meus tios fui trabalhar na roça. Lembro como se fosse hoje, a grande distância que percorríamos a cavalo e olha não tinha cela, era só um tapetinho que ficava encharcado de suor. Por muitas vezes caminhava com as pernas abertas, não podia reclamar. O pessoal mais velho naquela época era muito bravo, a gente tinha que aguentar sozinho”. Algum tempo depois, começou a frequentar o movimento congregação Mariana, onde se confessava, rezava o terço e frequentava as reuniões, “então minha infância e adolescência foi de muito trabalho duro, que me deu força física e acredito que a espiritualidade me deu uma cabeça boa para suportar tudo isso”.
Nestes cem anos contou que a vida melhorou muito “ a cada dia, é ano que passa, e as coisas até estão caminhando para melhor, aqui não foi diferente”, mas ressaltou “para melhor em certo sentido, porque aqui nesse planeta é assim, tem as coisas boas, mas também tem as ruins. A gente às vezes critica o político, mas a política sempre existiu. A gente critica que todo político faz a mesma coisa, mas sempre eles deixam alguma coisa boa para marcar sua passagem, um registro, é só ver, as pontes, a praça São Sebastião como esta bonita, essa lagoa que coisa mais chique. Sou analfabeto, não tenho formação nenhuma, fui vereador no Paraná por 12 anos e sei que é assim que funciona. Lembro quando escrevi pela primeira vez meu nome em um pedaço de papel na escolinha da fazenda, pois não tinha cadernos na época, era aquele quadro negro, era pedra mesmo. Bons tempos aqueles, só sinto não os ter aproveitados melhor, ter sido melhor. Isso aqui tudo era uma fazenda, eu e meus irmãos, Benevenuto Pereira da Silva e Benvinda Pereira da Silva, brincávamos por aqui, eu caçava passarinho de estilingue com meu irmão, lembro até da olaria que existia aqui nessa represa, onde a gente tomava banho, pegava pó de mico e quase morria de tanto coçar, hoje olha a beleza de cidade que se tornou”.
Em século de vida, pode presenciar vários momentos importantes da nossa história, a Revolução de 32, a 2ª Guerra Mundial, o governo e suicídio de Getúlio Vargas, o mineiro Juscelino, a construção de Brasília, a renúncia de Jânio Quadros, a revolução de 1965, os governos militares, como o de Castelo Branco e Figueiredo, a abertura política e centenas de outros, “eu nunca tive problemas com nenhum governo, porque aprendi que muitos problemas que acontecem com a gente, não vem de fora, a maioria vem de dentro da gente, em ter dificuldade de aceitar e compreender as coisas, sempre tive dentro de mim o respeito as autoridades, com humildade, nunca me coloquei como mais ou maior que ninguém. Claro, aqui não é lugar de santos e anjos, mas é por aqui que se conquista a vida eterna”.
Nessas idas e vindas lembrou, com uma lucidez, de fazer inveja a muitos cinquentões, o “Sr. Centenário”, nos contou quando se mudou para outro estado “fui morar no Paraná, onde comprei umas terrinhas, 30 km para dentro da mata. Passados dois ou três anos apareceram uns engenheiros, derrubaram uns 8 alqueires e puseram uma placa, Astorga, distrito pertencente ao município de Arapongas. hoje um município, próximo a mais sete, que com quatro padres missionários e um jeep velho, ajudei a fundar, enquanto eles levavam a palavra de Deus, eu ia ficando os cruzeiros. Junto com Jandira, minha primeira esposa, que minha mãe escolheu para casar quando eu tinha uns 20 anos, afinal naquela época quem mandava era os mais velhos, eles mandavam e a gente obedecia, dos meus 18 ou 19 filhos, 14 foram com ela. Fiquei casado com ela até os 50 anos, depois casei de novo. Nessa época já tinha meus pés de café, umas trinta família trabalhando comigo. Faz tempo tudo isso”. Ao lembrar da família fez questão de enfatizar que “a família, é uma das coisas mais importantes que se tem, sempre será o nosso porto seguro, onde podemos sempre buscar apoio e socorro”, e disse que prometeu a dona Catarina, sua segunda esposa, “nunca deixarei minha família novamente, criei meus filhos, como fui criado, e hoje acredito que todos os problemas tem que ser repartidos, dentro do seio familiar e não fora dele “,concluiu Sr. Benedito. E assim com um abraço apertado e um sorriso no rosto o centenário Benedito, agradeceu e despediu.
Projeções mostram que, em 2039, teremos mais idosos como ele do que crianças em nosso país. E em 2060, a proporção de “Beneditos” e “Beneditas” será de um para cada quatro brasileiros. É hora de começar a pensar de que forma queremos chegar lá.