31 de março de 1964

Opinião
Guaíra, 5 de abril de 2019 - 09h29

Era final de verão. Naquela época, as aulas escolares iniciavam em março depois de quase três meses de férias escolares. Meus pais moravam na avenida onze, onde hoje se localiza as Lojas Cem. Era hábito de meu pai nas tardes do dia, como vários guairenses, sentar no alpendre de casa e levar um bom papo com os conhecidos que circulavam na avenida onze.

Ao redor de casa só haviam residências e os vizinhos ali permaneceram por anos. O comércio era bem resumido às necessidades da sobrevivência local, pois a população não passava de pouco mais de 12 mil almas e sofríamos do isolamento pelo fato do município de Guaíra ficar distante das rodovias e ferrovias importantes, e nossas estradas não eram pavimentadas, fator sentido por todos.

Em 1964 não havia em nossa cidade a pavimentação asfáltica, muito menos o calçamento com paralelepípedos, blocos de pedras, muito comum no calçamento de ruas na época, onde quase todas as cidades da região já utilizavam. Em Guaíra, suas vias eram todas de chão batido, às vezes eram cascalhadas, sendo assim, convivíamos ora com a poeira, ora com o barro e muitas das residências centrais possuíam em suas fachadas os respingos de barro pelo constante fluxo dos veículos. Todavia, a vida em Guaíra seguia seu rumo, mas a passos lentos. No escurecer do dia, nas tardes quentes, famílias se reuniam com suas cadeiras na calçada interagindo com seus vizinhos e amigos jogando conversa fora sob aquela leve névoa de poeira que pairava no ar e pequenas mariposas que circulavam em frenéticos movimentos próximas às luzes incandescentes dos postes de madeiras, iluminando as ruas onde a molecada, em gritos, brincavam felizes de pega-pega…

Era Guaíra assim, pequena criança, um vilarejo com seus jardins floridos o recanto dos eternos enamorados. Sinto saudades de sua infância. Mas, bem distante, a política nacional fervilhava com a instabilidade do então presidente João Goulart, pois no seu governo já havia um projeto em andamento dos comunistas, que lá já estavam instalados. Nos anos 1964, o mundo estava em plena guerra fria, uma polaridade entre o Ocidente capitalista e o leste Europeu, a União Soviética, comunista, liderada pelo Kremlin em Moscou em uma luta ideológica pela hegemonia no mundo. Em Guaíra, apesar de uma aparente calma por seu isolamento, haviam vários comunistas ligados ao Partido Comunista Brasileiro.

Sr. João Alfaiate era um dos que sempre subindo a avenida onze expunha suas ideias com meu pai e sempre passava a ele o jornal do PCB, que noticiava os ideais comunistas e acontecimentos sendo que em uma das conversas com meu pai dizia que todas as propriedades rurais de Guaíra já se encontravam devidamente divididas, dentro do plano das reformas de base prometida pelo presidente João Goulart, que eram as mudanças radicais na estrutura agrária do país. Havia também um movimento já articulado entre os trabalhadores rurais inspirado nas ”Ligas Camponesas” de Francisco Julião do nordeste. A invasão estava programada.

Na conversa de mesa em casa, ouvia sempre os conselhos do velho pai de que não desistíssemos dos estudos e obter o diploma, porque a única salvação de sobrevivência no sistema comunista era ter o diploma universitário. Foi um tempo de uma profunda insegurança emocional. Adolescente, estudava em Campinas sob a formação dos padres salesianos e, com aproximação do 31 de março de 1964, todos os padres do colégio estavam tensos, nervos à flor da pele, pois tinham certeza que em um sistema comunista seriam eles as primeiras vítimas, notícias que provinham do Leste Europeu, em toda União Soviética, era a tortura e castração. Pe. Baldan, o diretor do colégio, sempre na capela em seu sermão aos internos, abordava sobre os últimos acontecimentos. Após o 31 de março, encontrávamos no refeitório quando Pe. Antonio Sarto, que dirigia o local, nos deu a grande notícia da renúncia de João Goulart e vários alunos se juntaram ao Pe. Sarto para ouvir e ver as fotos das revistas ”O Cruzeiro e Manchete”. A vibração do religioso era visível nos elogios a Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e outros. Auro Moura Andrade, presidente do Senado, declarava a vacância do cargo, pois Goulart havia fugido para o Uruguai e tomava posse interinamente o presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli, em 2 de março 1964.

Frágil, incompetente, João Goulart era influenciado pelos radicais socialistas do seu governo que ambicionavam a mudança na estrutura agrária do país e na economia na introdução da política socialista de Estado. Sendo que no Rio Grande do Sul, o governador Leonel Brizola tinha seu plano do golpe da Constituinte, na dissolução do Congresso e, com seus partidários, o chamado grupo dos onze, impor na constituinte uma república sindicalista socialista. A nação se levantou em protestos e todas as entidades, imprensa, mídia, manifestações gigantescas como a ”Marcha da Família com Deus pela liberdade”, pelo país clamavam pela saída de João Goulart e pedia democracia. No dia 11 de abril de 1964, o Congresso Nacional elegeu democraticamente o Marechal Castelo Branco com 361 votos e disputando o cargo: Juarez Távora, Eurico Gaspar Dutra e Juscelino Kubitschek. O maior feito de Castelo Branco foi, sem dúvidas, a reforma do Código Tributário, introduzindo o ICMS, favorecendo todos os municípios do Brasil na renda orçamentária.

Também em março de 1964 iniciava a primeira gestão pública do Dr. Waldemar Chubaci em Guaíra, com seu plano de governo PAI (Plano Administrativo e Investimentos), elaborado pelo IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal) para o período de vinte anos de investimentos administrativos públicos. Na última gestão pública do Sr. Aloísio Lelis Santana, em 1983, o plano PAI foi totalmente concluído e Guaíra passou ser uma das mais bem cidades administradas do Estado de São Paulo, com toda sua infraestrutura completa 100% de saneamento básico com água tratada, 100% de toda malha viária asfaltada, 100% total de iluminação pública e dezenas de imóveis públicos, beneficiando toda municipalidade e um expressivo IDH. Em 1967, Guaíra inaugurou sua primeira rodovia ligando à Barretos, enfim Guaíra saía do seu isolamento…


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Paulo Sérgio Lelis

Paulo Sérgio Lelis é Mestre em Direito Público

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