Sentimentos e emoções provocadas pela série “ROUND 6”

Opinião
Guaíra, 20 de outubro de 2021 - 09h30

Nas últimas semanas estamos vivenciando uma série de críticas, comentários, “spoiler” e reflexões sobre a série sul-coreana de maior sucesso da plataforma Netflix: “Squid Game” ou “Round 6”. A narrativa provoca profundas análises, como por exemplo: quais os riscos emocionais provocados pela rigidez e moralidade de uma sociedade capitalista? Qual o poder e a influência do dinheiro ou da falta dele em nossas vidas? Quais os nossos reais valores? Como se porta o ser humano em situações extremas? Tudo é permitido em nome da ambição, do controle de pessoas e da busca por felicidade? Por fim, quais emoções são despertadas em quem assiste a série? E quais os riscos reais podem acometer crianças ou jovens que se aventuram a acompanhar todos os episódios de Round 6?

 Distribuída em nove episódios, a série tem um enredo complexo que gira em torno de pessoas que se encontram altamente endividadas, vulneráveis socialmente e que acreditam que a única solução possa estar na possibilidade de resgate de sua vida caótica por meio de um game perigoso que, utiliza brincadeiras lúdicas de criança (“batatinha frita 1,2,3; “cabo de guerra”; “bola de gude”…) para promover sua dinâmica macabra, onde quem perde é assassinado a sangue frio, ou seja, mais do que ser eliminado do jogo, ele é eliminado da vida. Uma punição extremamente severa, traumatizante e violenta.

A trama apresenta personagens que se percebem sem qualquer credibilidade ou dignidade. Neste sentido são levados a entrar no jogo para pagar com a própria alma, através de situações criadas que evidenciam torturas, suicídio, tráfico de órgãos, fragilidade na delimitação de caráter, violência ligada à integridade física, violação dos limites de autonomia do indivíduo e a mercantilização do ser. Eles arriscam suas vidas, sonhando em receber o porquinho/cofre repleto de dinheiro para liquidar sua situação catastrófica.

Dentro das duras críticas ao sistema capitalista, vemos claramente aspectos de desigualdade social, preconceitos de todos os tipos e a busca pelo “eu” humano que, muitas vezes se perde em sua avareza, ganância e amor ao dinheiro, já que no jogo passa a valer a falência da autonomia e prevalece a potencialização das necessidades materiais e monetárias. Delimitando o retrato da felicidade pelo consumo.

Fica claro portanto, a real necessidade do autocontrole diante da instabilidade da vida, onde não podemos nos deixar abater e, consequentemente, fazer escolhas erradas que podem custar nossa sanidade mental e nosso equilíbrio emocional. No meio do pânico, como o ser humano reage? Vale refletir sobre, tanto que quem consegue ter mais tranquilidade e clareza diante de situações aterrorizantes do jogo, são aqueles que mais conseguem sobreviver por mais tempo, sem perder a vida em uma das competições.

E em meio a tanta violência, tortura e manipulação psicológica, o lado sombrio do ser humano se desponta. Destaque para os traços revelados de psicopatia, perversidade, dupla personalidade entre outros distúrbios psicológicos que se apresentam diante da pressão por manter a vida.

Ou seja, a narrativa mostra, em vários momentos, a face oculta de personagens que diante da proximidade com a morte precisam tomar decisões que nos levam a refletir, como expectadores, qual seria a nossa ação naquele momento. Isto porque, naturalmente, como seres humanos possuímos características pinceladas por julgamentos.

Sentimos prazer em analisar e julgar os comportamentos alheios. Adrenalina e tensão fazem com que seja suscitado e estimulado no telespectador, o instinto natural do Voyeur que faz com que ele se questione, por exemplo, se estivesse ali o que faria? Como agiria? No meio de tudo, todo sangue, toda adrenalina, todas as mortes, se tivesse a chance de ganhar dinheiro e resolver a sua vida e também da família, mas tivesse que fazer escolhas pesadas, como escolher continuar mesmo com a morte de muitas pessoas próximas, o que faria?

Além disso, aqui também entra um outro fator crucial: o espelhamento. Afinal, temos características inerentes ao ser humano que nos permitem criar afinidades e empatia, fazendo com que nosso inconsciente crie uma relação de identificação com um ou outro personagem.

E é aqui que entra talvez uma das maiores reflexões deixadas pela série: O dinheiro resolve todos os dilemas, inclusive o moral, afinal devo continuar jogando e não me incomodar com as outras pessoas que estão morrendo, porque eu quero ganhar aquela grana toda? Devo colocar meus sentimentos de lado?

Neste cenário sangrento e doloroso é natural que nossas emoções sejam reviradas e que sentimentos como repulsa, aflição, medo, ódio, pena, dor, tristeza, alívio, ira, desejo de vingança, perversidade, desconforto, entre outros, sejam potencializados através do acesso aos nossos recursos simbólicos e pessoais, nos levando a nos questionar: como resolvemos nossos problemas?

Fato é que, infelizmente, na vida acabamos optando por caminhos mais curtos e que julgamos rápidos para resolver as questões. Mas no fundo pode ser o caminho mais doloroso e prejudicial.

Visto que, trazendo para a dinâmica da narrativa, quando o ganhador do jogo volta para sua realidade com todo aquele dinheiro que ganhou, percebe que o dinheiro já não faz tanta diferença diante dos problemas que tinha ao entrar no jogo. Ou seja, independente do desespero ou do que estejamos passando, nossas escolhas acontecem dentro de um contexto.

E esse contexto precisa ser analisado, pois nossos problemas não surgem do dia para a noite. Tanto que os percalços dos jogadores já vinham se arrastando há algum tempo, e as escolhas feitas até então para solucioná-los não eram coerentes.

Com isso, cada um deles se afundava cada vez mais em seus dramas pessoais. Ou seja, todos os seres humanos estão sujeitos a inúmeras dificuldades e diversidades surgidas ao longo de sua trajetória. O que é preciso ser feito é respeitar a escolha e os limites de cada um e ao mesmo tempo saber considerar a história de cada pessoa, sem sucumbir ao desespero.

Enfim, diante de todo o exposto, podemos dizer que a vida imita a arte? Crianças e adolescentes podem vir a desenvolver personalidades perversas com requintes de crueldade, se assistirem Round 6?

 Na verdade, uma série não é capaz de criar essa hostilidade dentro de ninguém. A questão é que nós adultos temos dificuldade para lidar com o impacto do que estamos vendo e precisamos ativar ferramentas mais elaboradas para conseguir ficar bem após cada episódio, pois tudo isso mexe muito com nosso emocional.

E naturalmente, uma criança ou um adolescente que ainda está em construção de seus mecanismos de defesa e de suas reservas, irá demandar uma carga ainda maior de energia para entender e ressignificar tudo que estão consumindo.

Porém, não é porque assistiu a série que vão sair por aí atirando nas pessoas. Apenas podem ter um pouco mais de dificuldade para lidar com o impacto da dor. Neste caso, o correto é dialogar e provocar o real entendimento sobre solidariedade, senso de justiça e a valorização do “eu”, sem ferir, expor, entristecer ou magoar o próximo.

Mas, certamente, o grande “pulo do gato” da trama “Squaid Game” é poder provocar inúmeras reflexões, como a classificação de valores humanos, o poder e a importância que atribuímos ao dinheiro e, talvez a maior delas seja, em tempos de vida líquida, compreender se os fins justificam os meios.  

 

Dra. Andréa Ladislau

Psicanalista


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Dra Andrea Ladislau

Dra Andrea Ladislau; Doutora em Psicanálise, Psicóloga, Palestrante, Colunista, Membro da Academia Fluminense de Letras, Gestora em saúde, Repres. Intern. (USA) da University Miesperanza.

 

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