Psicanalista, especialista em autoestima e autora do livro “A Flor da Savana”, Ana Paula Bordin lança um olhar para compreender a vulnerabilidade masculina. De acordo com ela, entender as emoções e aceitar os sentimentos são atos importantes para os homens terem mais segurança e exercitarem suas fortalezas.
Por que precisamos falar mais sobre vulnerabilidade masculina?
Em meio a pautas sobre relações humanas e empoderamento feminino, escritora Ana Paula Bordin chama a atenção para a saúde emocional dos homens no romance “A Flor da Savana”
Martin representa a luta silenciosa de muitos homens: o peso de parecer vulnerável em uma sociedade que os ensina a esconder suas dores. A atenção para a saúde mental masculina e a quebra deste estereótipo é uma das questões abordadas pela psicanalista e escritora Ana Paula Bordin, no romance A Flor da Savana.
Na obra, a protagonista é Izabel, uma ranger em processo de conhecimento sobre o próprio poder. Ela se apaixona por Martin, um homem rico, mas com um grande vazio emocional. Juntos, eles enfrentarão contextos sociais complexos, como o racismo e as desigualdades de gênero.
Na entrevista abaixo, a autora convida a refletir, entre outras questões humanas, sobre como essas vulnerabilidades masculinas podem ser encaradas como forças e não fraquezas. “Martin é a tradução do paradigma e das consequências perversas desse tipo de educação em que o homem é ensinado a ser firme, forte e prover não só o sustendo, mas a segurança e, por vezes, o controle”, comenta a autora.
- Em “A Flor da Savana”, você explora relações humanas complexas que mergulham em questões de identidade e autoconhecimento. A jornada de Izabel e Martin pode ser um espelho para que tipos de desafios na vida contemporânea? De que forma esses temas aparecem na narrativa?
O grande desafio são os relacionamentos, como lidar com eles, como entender nossas escolhas do presente como reflexos do que desejamos para nós mesmos e das escolhas feitas do passado – mesmo que infelizes escolhas. Um outro desafio exposto é o quanto não somos apenas o que queremos ser, precisamos validar que somos indivíduos que receberam estímulos, vivências que nos marcaram e nos fizeram diferentes de qualquer outro. Não existe um único homem ou mulher igual, portanto não podemos querer uma receita de felicidade, de normalidade. E esses aspectos são explorados no decorrer da narrativa, não só pelo autoconhecimento das personagens, como do quanto a convivência e o relacionar-se com o “diferente” pode ser transformador. Vale ressaltar que me refiro não só às relações amorosas e, sim, a todos os tipos de relações que permeiam nossas existências mesmo antes de nascermos. O desafio vivido numa relação amorosa nada mais é do que os desafios de seres que antes tiveram inúmeras outras relações e trazem consigo pedaços (bons e ruins) dessas vivências.
- Ao escolher a África do Sul como cenário, você situa a narrativa em um contexto de ricas, mas também dolorosas, camadas culturais. Por que decidiu aproximar a África do Sul dos leitores brasileiros e qual a principal mensagem que deseja passar aos leitores com relação a isto?
Primeiro, me senti escolhida pela África do Sul, uma vez que fui presenteada com a história diante das cenas que ali experenciei. Como você bem cita, foram as ricas e dolorosas camadas que acionaram os meus sentidos de observadora e borbulharam dentro de mim e assim que decidi dar vida aos personagens e aos acontecimentos. E só havia um jeito de fazer sentido: conectá-los ao lugar onde nasceram, foi muito natural o desenrolar da narrativa.
A aproximação cultural que temos é histórica e tendo como objetivo respeitá-la e exaltá-la, entendi que uma forma seria olhar para o racismo além das nossas fronteiras, entendendo o impacto disso por gerações muito longe daqui. A ideia nunca foi “desculpar” ou “minimizar” o que se vive no Brasil, mas abrir os horizontes para os leitores brasileiros olharem além; entendo que esse é o papel da literatura.
Um legado que espero deixar aos leitores é a curiosidade sobre quem foi Martin Luther King; o que foi o período terrível do Apartheid; como se constituem, hoje, as camadas sociais sul-africanas, e por aí vai. Apesar de ser um romance romântico, as provocações para uma reflexão profunda estão todas ali. Claro, que também tenho o objetivo de despertar em mais brasileiros, o desejo de visitar a África do Sul, conhecer aquelas lindas e paisagens e se conectarem com raízes tão profundas e que nos formaram enquanto sociedade.
- Sua experiência como psicanalista influenciou no processo criativo na hora de construir os personagens do livro? Se sim, de que forma?
Com certeza, minha escrita é constantemente influenciada pelo que observo no comportamento humano, especialmente pelo que vivencio como profissional que apoia e acompanha mulheres em suas jornadas. Vale ressaltar que tanto a Izabel quanto o enredo foram criados antes da minha atuação como psicanalista, porém, foi a partir daí que despertei para estudar e desenvolver um trabalho mais profundo sobre a psiquê humana – o que me permitiu transpor tais conhecimentos para a obra.
Foi como se a idealização dessa história me movimentasse para ir além do que eu já conhecia do comportamento humano. Atuo diretamente com pessoas há mais de 20 anos, seja liderando no mundo comercial ou desenvolvendo-as diretamente em mentorias e atendimentos. Sou apaixonada por pessoas desde sempre e entender como o cérebro funciona e como o emocional se compõe é das minhas grandes paixões na vida.
- A personagem Izabel é uma mulher forte e independente, como uma representação à resistência contra o machismo estrutural. Você espera que essa jornada de empoderamento inspire as leitoras? Acredita na literatura como agente de mudança nesse sentido também?
Não só acredito, como defendo muito que a literatura pode tocar em mentes e corações que estavam cerrados para determinadas conversas, assuntos ou isolados por tabus. É interessante como a ficção pode iluminar caminhos que já foram “incendiados” por profissionais da vida real daquele leitor sem surtirem efeito, vemos isso o tempo todo. É impressionante observar o poder de identificação que a literatura pode causar nas pessoas e, com isso, transformar realidades. Todos nós já comparamos ficção com realidade e encontramos similaridades, seja na nossa vida, seja na de outrem.
Como mulher, autora e mãe (é preciso pensar na futura geração de homens que formamos) o que mais desejo é alcançar o maior número possível de mulheres (e homens como parceiros e apoiadores dessas mulheres). Ao lerem a jornada de autoconhecimento desse casal, espero que a história ajude-os a acessarem seu poder, além de enfatizar o valor de suas vozes e suas escolhas. Mais do que isso, liberar sua sexualidade, conectar-se com sua essência num exercício constante de ser independente sem perder o feminino.
Izabel é uma mulher da vida real com forças, fraquezas, dilemas, desejos e deslizes, ela representa a maioria não a minoria.
- Martin enfrenta um “vazio emocional” que contrasta com seu status e poder. Como você enxerga a importância de abordar vulnerabilidades masculinas em uma sociedade que muitas vezes reprime essas discussões?
Uau, eu poderia falar sobre isso por horas. Já tenho leitoras fãs de Martin e outras tantas que o odeiam… Justamente porque ele é o homem que finge não ter problemas, o homem que já sabe lidar com tudo, o estereotipo do homem que não precisa de ajuda que nós, enquanto sociedade, difundimos em nossos meninos desde bebês.
Martin é a tradução do paradigma e das consequências perversas desse tipo de educação em que o homem é ensinado a ser firme, forte e prover não só o sustendo, mas a segurança e, por vezes, o controle. Infelizmente (ou felizmente) ainda não posso abrir tanto o jogo sobre ele, pois muitas informações e acontecimentos ficarão mais claros na parte 2 d´A flor. Martin e seus demônios são um caso que merecem ser observados mais de perto e serão, aguardem. Vale muito entender os porquês e refletir sobre como podemos ser agentes de transformação.
Sobre a autora: Ana Paula Bordin é escritora, palestrante, psicanalista e empresária. Formada em Letras com licenciatura em Português, trabalhou por anos como professora. Posteriormente, escalou negócios no mundo B2C, onde liderou equipes comerciais durante mais de duas décadas. Agora focada no bem-estar feminino, atua como terapeuta de casais e mentora de mulheres, além de ser especialista em autoestima e autoconfiança.