PT entre a cruz e a caldeirinha

Opinião
Guaíra, 13 de janeiro de 2016 - 14h21

A imagem vem dos tempos da Inquisição. Antes de começar as orações, o padre colocava sobre a cabeça do moribundo um crucifixo e, abaixo dos pés, uma pequena vasilha com água benta. E assim o dito foi arrumado: entre a cruz e a caldeirinha, algo que sugere a imagem entre padecer ou sobreviver com extrema dificuldade, correr e ser pego mais adiante pelo bicho ou ficar e ser logo devorado. Esse é o dilema que se apresenta ao Partido dos Trabalhadores neste momento em que o governo Dilma se debruça sobre alternativas para, de um lado, reativar a economia e, de outro, fechar os ajustes iniciados pelo ex-ministro Joaquim Levy na direção do equilíbrio fiscal/monetário. Dois panos de fundo emergem dessa aparente contradição: a alavancagem do crescimento econômico – mais dinheiro no bolso dos contribuintes – com animação da vida social; e ampliação do desemprego, alta da inflação com derrocada do Produto Nacional Bruto da Felicidade. Os cenários sugerem a recorrente questão: é possível assoviar e chupar cana ao mesmo tempo? Para a ciência política, a resposta é um sonoro Não. É impossível combinar sacrifícios econômicos e recessão transitória com crescimento, aumento da oferta de emprego, inflação baixa, justiça social, extensão dos braços do Estado para proteger suas franjas. Mas os governantes, a partir dos oportunistas, tendem a optar pelo populismo, essa tendência de procurar atender o sentimento do povo com o intuito de evitar perder apoios das forças sociais. A semente populista é cultivada nas roças latino-americanas, principalmente em anos eleitorais. Sob esse olhar, uma ala do PT defende urgentes medidas populistas como forma de obter frutos imediatos. Daí a pressão, mais que sugestão, para que o ministro Nelson Barbosa baixe medidas de impacto imediato, que teriam formidável efeito na estratégia de recuperação da imagem do governo, com consequente refluxo na maré do impeachment presidencial, a par do alargamento da via eleitoral e resgate do velho PT competitivo, capaz de eleger uma grande fornada de prefeitos no pleito de outubro deste ano. O próprio Lula dá indicações de que Dilma deveria por fermento no bolo das massas. Esta ala petista entregou um documento ao ministro Jaques Wagner, da Casa Civil, com 14 medidas para combater a crise, a partir da criação da alíquota de 40% no Imposto de Renda, imposto sobre lucros e dividendos, aumento de tributação sobre produtos e grandes fortunas etc. Das medidas, 11 dizem respeito a aumento de impostos. Ora, esse conjunto de medidas de “assalto ao bolso” do contribuinte acabaria expandindo a indignação, estraçalhando o PT, ao contrário do que pensam certos formuladores. Este grupo conta com o apoio da “intelligentzia” dos economistas da PUC/Campinas, à frente Luiz Gonzaga Belluzo, para quem “não há jeito de fazer ajuste num sistema capitalista sem recuperar a economia”. Como se pode aduzir, os petistas estão divididos. Se uma banda tem olhos voltados apenas ao pleito municipal de outubro, outra desvia o olhar para os horizontes de 2018. Nesse caso, o pacote de ajuste fiscal/monetário/cambial se fará necessário para que, após a tempestade, surja a bonança. Que cairia,  natural e harmônica, no colo de Luiz Inácio Lula da Silva. Ou seja, para alguns petistas é mais estratégico viabilizar um PT competitivo na próxima eleição presidencial. ( Lula está no meio do tiroteio). Não existe política sem riscos. Passar uma temporada no inferno é uma alternativa para o PT voltar a reaparecer no Olimpo, depois de um período no limbo. O processo de perda de força, é bom lembrar, é balizado pela temperatura ambiental, a qual, por sua vez, vai depender de borrascas que afetam as imbricadas fronteiras das economias contemporâneas. Há de se considerar, por fim, o animus animandi do povo, após os destroços deixados por duas grandes avalanches: o mensalão e o petrolão. O entulho que se espraia pelos espaços do Executivo, do Legislativo e por engrenagens empresariais, resvalará, por um bom tempo, pelos vãos e desvãos do governo,  forçando a governabilidade a cair abaixo do ponto crítico. Esse é aspecto deve ser relevado. As imagens dos atores políticos estão impregnadas da desconfiança levantada por escândalos a fio. Por isso, não se pense que simples melhora da economia redundará em resgate imediato das imagens dos figurantes. Para reverter o processo de desacumulação de forças, políticos de todos os calibres terão de percorrer um calvário de repulsas, desprezo e distanciamento da sociedade civil. Essa é a radiografia sob a qual se desenvolverá a vida político-institucional nos próximos anos. Aos partidos de oposição, a meta de comer fatias do bolo do PT é razoável, eis que poderão tirar proveito da luta contra desatinos e ilícitos cometidos pela sigla que se orgulhava de simbolizar a ética. Mas não devem se enganar. Falta-lhes, também, credibilidade. Uns nadam nas águas sujas do petrolão, outros continuam a praticar os velhos métodos. As conveniências regionais – onde os polos contrários  continuam disputando competitividade – forjarão novas e alimentarão velhas lideranças -, pelo que poderemos divisar uma representação política ainda não de todo compromissada com mudanças. Mas é provável que siglas menores, mais assépticas em matéria política,  consigam resultados mais substantivos que os alcançados no passado. Desse quadro, resulta a evidência de que o PT, por maior esforço que faça, não conseguirá harmonizar a dualidade que influencia seus rumos: o resgate dos bons ventos da era lulista e a necessidade de rigoroso programa de ajuste das contas governamentais. O fato é que o Brasil terá dois anos consecutivos de recessão, fato que só ocorreu em 1930. O PT não conseguirá extirpar esse dado de sua história. Pode até estar longe da antecâmara da morte. Mas uma versão bastante plausível é a de que um padre está sendo chamado para lhe dar a extrema-unção. Leva uma cruz e uma caldeirinha de água benta.


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Gaudêncio Torquato

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação

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