Rafael Braghiroli – Em busca de uma cidade educadora

Rafael Albuquerque Braghiroli, 39, é casado com Milena de Oliveira Albuquerque Braghiroli e pai de Estela, 03, e Maria Gabriela, 07. Admirado e respeitado por onde passa, Rafael possui um vocabulário acima da média, uma facilidade imensa de expressão, além de um amor incondicional por nossa cidade

Entrevistas
Guaíra, 4 de março de 2019 - 15h31


É guairense?

Sou guairense, nascido e criado aqui, como diz o caipira.

 

Estudou até quando?

Comecei na pré-escola municipal e fiz até MBA. Não vou conseguir recordar o nome das professoras, mas fiz pelo menos três anos de pré-escola, porque minha tia Iolanda sempre foi minha professora eu a acompanhava. Então, ia sempre com meu irmão Ricardo, que é o meu irmão do meio. Quando ele entrou, eu ia junto, então, estudei na pré-escola da Vila Aparecida e no pré da baixada, lá do balneário.

 

Depois disso?

Depois fui para o Francisco Gomes estudar o primeiro ano, fiquei até o oitavo e fui para a escola Ouro Branco, do saudoso professor Mauricio Macedo. Ele abriu o ensino médio e o colegial, uma novidade em termos de ensino, daí sai junto com meu irmão mais velho, porque nessa época ele tinha reprovado dois anos, então fizemos juntos a sétima série, concluímos a oitava no Francisco Gomes, saímos e fomos para o Ouro Branco com essa turma nova que nasceu. Na época, a coordenadora pedagógica era a Professora Neusa Faleiros e eles fizeram uma seleção de professores muito comprometidos, uma turma muito boa de alunos, como o Vambertinho, Ronaldo Galdiano, a Vanessa Salomão, o Frederico, o Fábio Favaro, o próprio Ricardo, Marcos Daniel, que fez medicina, a Daniela Andrade, enfim, dentre tantos outros, todos passaram em grandes universidades renomadas e hoje são profissionais exemplares.

 

Não parou por aí?

Não parei, prestei vestibular em várias universidades e passei na Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais, o curso era conhecido como Administração Rural, era assim que era vendida a imagem do curso, mas era Administração com habilidade em empresa Rural e Cooperativa, de cinco anos. Passei em 16º lugar e meu irmão Ricardo, que também prestou lá passou em décimo, então, estudamos juntos da sétima até a universidade. Conclui os estudos, fiz o meu TCC, que é o trabalho de conclusão de curso voltado para o Social, ações sociais.

 

Por que escolheu a Ação Social para seu TCC?

Porque fiz estágio na Associação Lar, aqui em Guaíra, fui trabalhar nesta organização que lidava com serviços de alta complexidade, no atendimento de pessoas que tinham dependência química, crianças vitimas de violência, acolhimento familiar e o Albergue trabalhava com a população de rua, então, fiz o meu trabalho voltado para gestão de uma organização do terceiro setor. Foi uma novidade, fiz também influenciado pela minha esposa, na época minha namorada, Milena, que cursava Serviço Social e trabalhava no PETI, junto com a Miriam Monezi. Isso me trouxe vontade de ficar aqui em Guaíra.

 

Normalmente os jovens assim que se formam, querem ir embora…

Eu acredito que uma cidade se desenvolve com o valor do seu povo. Queria ficar aqui,  queria viver aqui,  trabalhando aqui,  dando o meu melhor aqui, mesmo sendo em uma organização tão pequena, me recordo quando comecei a trabalhar  ganhava  R$ 500, já  formado e meus  amigos  entrando no mercado de trabalho ganhavam três, quatro vezes mais, mas a gente foi encontrando como fazer gestão, aí fui perceber que ser gestor de uma organização desse tamanho era muito pouco,  então  tinha que aprender a ser educador. Passei a ser um educador dessa organização.  Eu queria ser um educador junto com o Gabriel Neto, que era um dos coordenadores da área de dependência química fazendo trabalhos com esses meninos.  Fui conhecer o outro lado das desigualdades, porque muitos desses meninos, para não dizer a maioria, tinham uma pasta de violação de direitos extensa, aquela ficha corrida.  Muitos desses meninos não tiveram a oportunidade de ter uma família que cuidasse deles como deveria, então tem história de meninos que cresceram chorando em tanque  quando bebês, porque a mãe saia para se prostituir, meninos que, como diz Renato Russo “já morei em tanta casa que nem me lembro mais”, quer dizer que forma uma pasta invisível, que as pessoas não conhecem,  então, assim  você começa a ver o outro lado; não que eles não tenham que pagar pelos seus delitos, mas existe esse outro lado que hoje ainda continua.  Muitas crianças ainda vivem essa situação.

 

Qual é este outro lado que você fala?

Fui aprender esse outro lado, nesse meio tempo, o Daniel Penasforte, que também foi um educador da Associação Lar,  fazia peças de teatro que traziam reflexões, inclusive, tiveram peças que foram premiadas até no Estado de São Paulo de tamanha profundidade, eram de cunho social; uma que tratava sobre o Estatuto da  Criança e Adolescente, que se chamava “Sonhos de uma liberdade”,  e outras  tantas  falando do Caminho das drogas,  Prisão, Barco de Papel, daí também me tornei ator, como tinha teatro você tinha que ser ator.

 

Então foi assim que surgiu o amor para ser protagonista da “Paixão de Cristo”?

Sim, logo no início, o Mário Penca, que era o ator da Paixão de Cristo, deixou de ser o “Jesus”. Quando cheguei na Associação Lar comecei a fazer esse trabalho de teatro e o Daniel me convidou para ser Jesus na Paixão de Cristo, aí já entrei também como o principal da encenação. Fiz o papel de Cristo por 10 anos, fiquei dos 23 até os quase 33 anos passando, assim, experiências extraordinárias, um dia seria até legal contar. Essa Paixão de Cristo se transformou numa tradição cultural na cidade.

 

Depois disso…

O Zé Carlos Augusto ganhou as eleições e me convidou para ser Secretário de Assistência Social, logo após, se não me engano, foi em 2009. Como Secretário tive uma experiência do lado do terceiro setor, conheci a política, a rede, fui presidente do Conselho da Criança, participei de fóruns regionais e nacionais dos Direitos da Criança. Tive a oportunidade de conhecer a dinâmica democrática de participação nesse tipo de atividade, aprender a ouvir o outro, compreender o que ele está dizendo, não que tenha que concordar, mas espera sua vez para falar.

 

Tudo isso foi muito enriquecedor?

Essa vivência na participação dessa rede sobre o direito da criança, como Secretário, tive a oportunidade de fazer um trabalho como equipe. Também considero o trabalho de equipe de extrema importância, há um comprometimento com a cidade. Posso nominar duas pessoas que tenho a maior admiração por elas: a Miriam Monezi e a Lucilia Firmino, pela garra e determinação, não são guairenses de origem, mas adotaram a cidade trabalhando com firmeza. Aumentamos a equipe, o número de CRAS, criamos o DGB, a Casa da Cidadania, implantamos o CREA, a política nacional de fortalecendo e a gente foi, com todo o apoio do Zé Carlos, na época, fortalecendo essa política da assistência, criamos o Cartão para alimentação, compramos vários equipamentos. Trabalhamos com dignidade e com muito comprometimento no tempo que tivemos à frente dessa pasta. Chegou o momento, em que se acreditava que eu poderia ser um candidato a vereador, pelo trabalho social que desempenhava, mas relutei com essa com essa questão, com essa ideia.

 

Como você chegou até o IORM?

Então, neste mesmo período, nascia em Guaíra, em 2009/10, um prédio extraordinário, que é o Instituto. Nesse meio-tempo tinha feito uma capacitação executivo Empreendedorismo Social e depois eu fiz um MBA em gestão de Empreendedorismo Social, o que abriu ainda mais a minha visão sobre a importância da sociedade civil organizada, que são essas organizações no processo de desenvolvimento da cidade. Por que esperar que uma administração pública resolva os problemas da cidade? Isso é  acreditar que estamos fadados ao fracasso. É a sociedade quem resolve o problema, a tomada de consciência dela, é a produtividade dela também em resolver parte desses problemas, é um dos grandes princípios que a administração pública deveria seguir, além daquilo que é função dela de prestar um serviço público de qualidade, é servir de exemplo de honestidade, o bom servir e isso influencia muito. Temos exemplos do desenvolvimento de outras cidades onde um há povo muito acomodado, que espera tudo do governo, que se corrompe também, porque as administrações desses municípios vizinhos tiveram esse tipo de comportamento e comprometeu muito a vida e a dinâmica do desenvolvimento delas. Não é apenas dinheiro que faz uma cidade se transformar em um polo de desenvolvimento, é a riqueza do seu povo, sua criatividade, sua generosidade, a sua vontade de transformar aquele espaço em um lugar melhor. Essas experiências foram me valendo, quando vi um prédio extraordinário nascendo aqui em Guaíra, fiquei encantado com aquilo, dessa ideia, porque conseguia ver, tinha essa sensibilidade pelo fato de ter vivenciado roda de discussões sobre o que é um desenvolvimento, quais são as instituições que colaboram.

 

E assim?

Comecei a questionar “quem está por trás dessa ideia”, porque a coisa não nasce do nada, daí cheguei à Josimara Mendonça. Ela já tinha começado em Orlândia, Miguelópolis estava começando em Guaíra e fomos lá conhecer e ficamos duas horas conversando, aconteceu uma coisa muito engraçada, estava acabando meu MBA, então, estava voando baixo em termos de ideia, sugestões sobre terceiro setor.  E o Instituto Oswaldo Ribeiro de Mendonça cresceu, como a gestão dele era voluntária, feita por alguns colaboradores da Usina Colorado eles sentiram a vontade de profissionalizar a gestão. O consultor na época fez uma entrevista comigo, achou que eu tinha o perfil para aquilo que eles queriam. Mais do que depressa aceitei o convite da Josimara para assumir a gerência do IORM, isso em junho de 2012.

 

Ali no IORM você se encontrou?

A partir do momento que ingressei no instituto foi um dos melhores lugares pelo qual passei. Sempre falo que nos lugares que passei, sempre bati a cabeça no teto daquilo que era sonho, criatividade de onde eu estava.  Meu sonho era sempre muito maior do que o lugar onde estava, então, sempre tinha que ficar convencendo as pessoas de que era possível fazer mais, seja na prefeitura, seja na própria Associação Lar. E quando entrei no Instituto, não achei esse teto, porque o teto da Josimara era muito mais alto do que o nosso. Assim, até hoje estou pulando tentando achar um teto perto desse grande sonho que ela tem como fundadora do Instituto, que é colaborar genuinamente com o desenvolvimento das cidades; ela tem um laço  afetivo muito forte com essas quatro cidades em que instalou o IORM, Guaíra, Miguelópolis, Orlândia e Ipuã, talvez tenha herdado do pai, que nasceu em Ipuã, esse amor por essa terra  vermelha, essa terra Colorado.

 

A partir daí foi só crescendo…

A partir dali a gente foi crescendo, passamos a atuar em Ipuã construímos um prédio lá e iniciamos projetos esportivos.  Hoje, a nossa equipe está melhor estruturada, está muito mais desenhado o que pretendemos fazer aqui na região, acreditamos que o que fazemos tem que fazer parte do mapa e do currículo da cidade, o que o instituto faz não é para ele, mas para a cidade. Pode-se procurar, na região, um projeto sociocultural como nosso, que é executado dentro dos centros culturais, o mais importante é o que fazemos e para quem fazemos: essas crianças, adolescentes, famílias! A gente pode receber visitas internacionais com muito orgulho e dizer que no meio da cana tem repertório. Temos muito repertório, a gente oferece coisas para as crianças que muita gente não oferece. Mas isso não é menos importante do que também atuar politicamente para que a cidade compreenda a importância dela de ter uma política de educação integral para todas as crianças, não é somente a Educação Integral da Unidade Escolar, não é a proposta pedagógica daquela unidade, é muito maior, então quero ver bater a cabeça nesse teto. Se as pessoas não tomarem consciência de que todos nós somos atores nesse processo de desenvolvimento e colocar as crianças no centro, dificilmente a gente vai conseguir sair do “mais ou menos”, não adianta só pensar em mudar, temos que mudar comportamentos. O que falta, na minha opinião, é esse espaço, essa construção estratégica e filosófica desse sonho.

 

Este sonho seria a menina dos seus olhos, a Cidade Educadora?

No fundo, é isso. O que hoje a gente consegue conceituar é que devemos trabalhar pela Cidade Educadora, uma cidade que tem repertório para todas as crianças, que tem dignidade e sustentabilidade, que tem geração de emprego e renda tudo conectado. Só que esse espaço está tudo segmentado: é a câmara discutindo as questões dela; são os conselhos discutindo as questões deles; são as comissões e comitês discutindo as questões deles e nós não conseguimos criar algo que discuta a integralidade dessas coisas, parece um tanto quanto subjetivo e utópico, mas quando a gente para e raciocina, vê a importância disso, primeiro como ideia e depois começamos a materializar.

 

Fale um pouco sobre o “Cidade que Educa”?

Temos batido bastante a cabeça, materializamos um projeto chamado “Cidade que Educa”,  o Instituto como  mobilizador, que tem um propósito de fomentar, mobilizar a sociedade e esses agentes públicos. E a gente tem avançado nas devidas proporções significativamente, haja visto que existem já algumas ferramentas que ajudam o município a olhar para si mesmo, onde todos são responsáveis pelo desenvolvimento da cidade, todos querem ajudar e têm que saber como. O que não pode deixar de existir é o espaço de debate para construção de ideias, isso é mudança cultural e leva tempo.

 

Dá para esperar?

A gente tem pressa, é o nosso tempo né? Se for parar para pensar, tenho 39 anos e comecei a trabalhar nessa rede com 22, e essa vida é finita, essa que tem nome Rafael. Então, a gente tem pressa, assim, nada melhor do que ter a certeza de que você está vivendo com dignidade na sua época e no seu tempo. Quando você descobre o que é importante tem que correr atrás disso. Assim, eu, como Rafael, descobri o que é importante e junto com o Instituto também descobrimos o que é importante: trabalhar por essa cidade educadora, essa cidade integrada, conectada, honesta, justa, não só na administração pública. Isso é só um exemplo: quantos empresários, quantas estratégias nós não podemos ter para trazer os empresários para colaborar na gestão da cidade? O que é uma cidade educadora? Vamos em busca dessa resposta! Esse é o fio condutor, essa é a menina dos meus olhos: cidade educadora.

E vamos lá, vamos tentar: a cidade é  o espaço onde as coisas acontecem,  ela tem um  valor que precisa ser resgatado ou ao mesmo tempo dado a devida importância, que  são as pessoas que construíram essa história,  as instituições que possibilitam a história nessa cidade e nós não temos a cultura de dar o devido reconhecimento, as coisas não nascem da noite para o dia, são construídas. Hoje, temos a oportunidade de continuar construindo, ou pelo menos ser uma pessoa que não destrói, a gente precisa entender que todos nós, independente do que você faça, seja um professor, seja um é um serviço Gerais, seja um alto executivo, você vive numa cidade e ela precisa de você. Temos que aprender a respeitar a nossa história, valorizar os nossos Ídolos, os nossos heróis. Uma cidade educadora reconhece e valoriza, respeita e reverencia o nosso passado. Essa consciência que a gente acredita que tomou, que tomei também, é importante, então, não importa, você tem um compromisso com a sua cidade. Se é dado a você o compromisso de andar 10 passos ande 11, fazer 10 lições, faça 12, é isso que transforma nossa vida.

Guaíra é o que é hoje, com esse Parque maravilhoso, fruto de um sonho, que não nasceu do nada. Então, o que o que eu vejo hoje?  Aqui falta esse sonho sabe, então, lá atrás, as pessoas tinham isso muito claro. Assim, mais do que tomar como exemplo o feito, é a matéria-prima do feito, o que foi fruto de sonho dos Guairenses na época que sonharam em transformar a vida de todos. E esse sonho que a gente quer dizer que é a matéria-prima para as grandes transformações, não o feito em si.

 

É aquela história: um povo sem memória é um povo sem história?

Olha, quantos heróis temos no passado. Se fizermos uma reflexão do Brasil, temos pouca literatura da história do povo brasileiro, que conta a história desses herói, dessas famílias, dos Tavares, Garcia, desse Vicente Lacativa, desse Geraldo Napolitano, e tantos outros heróis. Se você não tem literatura, você não tem a sétima arte. Essas pessoas tinham uma coisa em comum: o DESEJO ARDENTE DE VENCER, tinham um SONHO. Eles viam as coisas e detectavam: está faltando isso… É isso que falta. Está faltando a cidade sonhar com algo que seja bom para todo mundo, não só bom para si.



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